Por mais inacreditável que pareça, 30 milhões de brasileiros vivem em locais considerados “desertos” de notícia. As informações, apresentadas pela pesquisa realizada pelo Atlas da Notícia, coordenado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) revelam que dos 5.570 municípios brasileiros, 2.860 não possuem veículos de comunicação. Ainda há cerca de 30% de cidades onde restam um ou dois veículos jornalísticos, que correm o risco de também se tornarem “desertos” de notícias.
De acordo com o estudo, o Norte e Nordeste do país são regiões com maiores espaços desertos, ou seja, carentes de veículos de imprensa (rádio, TV, impresso, online e revistas). Esses dados nos trazem reflexões que precisam ser discutidas amplamente. O jornalismo cumpre um papel não só fiscalizador, mas também de permitir aos cidadãos o acesso à informação. A Declaração Universal dos Direitos Humanos já estabelecia na década de 40 o direito ao acesso à informação pública; tanto o de recebê-la quanto o de transmiti-la.
O cidadão que vive em uma das cidades onde está instalado o “deserto” de notícias não está sendo apenas privado de saber o que acontece no meio em que vive, mas também de dar voz às suas necessidades. Exemplificando: Jandaíra, localizada no litoral norte da Bahia, foi um dos 280 locais que sofreu com o derramamento de petróleo em setembro de 2019. A cidade de 10.709 habitantes (IBGE) consta no Atlas da Notícia como um dos “desertos” de notícia.
É um município que vive prioritariamente da pesca e do turismo, porém, não há sequer uma informação de como os moradores foram impactados. Há alguma iniciativa do poder público para orientá-los? Os jandairenses sofreram impacto indireto com o fato ocorrido? Há reflexos no volume de vendas do pescado? Qual será o sustento dos pescadores? Quais as necessidades dessas famílias? Elas estão sendo atendidas? Não saberemos essas respostas se não houver um veículo de notícias que dê voz a essa população.
Este é apenas um recorte da realidade de 51% dos municípios brasileiros. A cada cinco cidadãos, um não tem acesso à notícia local. Podemos pensar que são cenários favoráveis à corrupção, sem contar que a participação democrática pode ser comprometida. Dados como esses podem ser usados, por nós, jornalistas, para cumprir o papel que nos foi designado, mas também por interesses inescrupulosos, que não vem ao caso, aqui, desenhá-los. Seremos a vez ou a voz desses brasileiros? Quais as necessidades dessas famílias? Elas estão sendo atendidas? Não saberemos essas respostas se não houver um veículo de notícias que dê voz a essa população.
Nossa região é privilegiada em abrigar diversos meios de comunicação, em algumas cidades, até mais de um. Pena que, na maioria das vezes, esses veículos não recebem o reconhecimento merecido e sofrem economicamente para manter suas atividades.
Mais que cobrar a atuação da imprensa na sua cidade em momentos críticos, é preciso também entender as suas necessidades e contribuir para a manutenção do mesmo. Com certeza, isso auxiliará na construção de boas histórias e no livre exercício da liberdade de imprensa.
Não é uma despedida, apenas um desabafo dos que ainda tentam manter um jornalismo sério, sem aceitar ‘acordões’, para manter um trabalho de compromisso com a verdade.
Ótima semana a todos!
Adaptação do texto da jornalista Rennata Bianco