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Revestidos de Cristo

As roupas que usamos não são apenas uma proteção para o corpo; elas também comunicam algo sobre quem somos, sobre a cultura ou a moda de uma época. A metáfora da vestimenta atravessa a história humana como um símbolo de identidade, ofício, dignidade e missão.

Um médico, por exemplo, é reconhecido pelo jaleco branco; um operário, pelo uniforme de sua função; sacerdotes, diáconos e ministros, por suas vestes litúrgicas, que expressam a sacralidade de seu ministério. Na vida cristã, a ideia de “revestir-se” ganha um significado profundo, especialmente a partir da veste batismal, que marca o início de uma nova identidade em Cristo.

Nas Escrituras, as vestes frequentemente simbolizam a graça, a pureza ou o poder conferidos por Deus. No batismo, essa ideia é levada ao ápice: o cristão “se reveste de Cristo” (cf. Gl 3,27), assumindo a dignidade de filho de Deus. A veste branca do batismo expressa pureza, renovação e o compromisso de viver uma vida conforme o Evangelho.

O sacramento do Batismo nos marca como membros do Corpo de Cristo e nos confere a missão de viver como “sacerdotes, profetas e reis”. A veste branca simboliza não apenas a purificação dos pecados, mas também a responsabilidade de refletir Cristo no mundo. Somos chamados a conservar essa veste intacta, vivendo de forma coerente com os ensinamentos de Jesus, de modo que a pureza inicial do batismo se traduza em gestos concretos de amor, justiça e misericórdia.

Quando pensamos em realeza, pode ser que venha à mente a ideia de reis coroados e salas do trono, com grande ornamentação e vestes de luxo. Mas, na perspectiva do Evangelho, a ideia é outra. Na cruz, Jesus não se apresenta como um rei revestido de glória terrena. Pelo contrário, Ele é despojado até de suas roupas, um gesto que simboliza a entrega total de si mesmo. Esse ato nos lembra que o Reino de Deus não se identifica com o poder ou as honras humanas, mas com o serviço e o amor. A cruz é o trono e o altar do sacrifício, onde Cristo se torna o Rei.

Para os cristãos, a veste batismal é um sinal de vida nova e um convite a viver como discípulos autênticos de Cristo crucificado e ressuscitado. No entanto, essa identidade precisa ser visível no mundo, como uma espécie de “uniforme espiritual”. Assim como uma roupa apropriada se adapta ao ambiente, o cristão deve ser sinal de esperança, verdade e amor em todos os contextos da vida. Isso significa praticar a caridade, defender a dignidade humana e ser coerente com os valores evangélicos, mesmo quando isso exige sacrifício.

Manter a veste batismal intacta não é uma tarefa fácil. Vivemos em um mundo que constantemente tenta nos despojar de nossa identidade cristã, oferecendo “roupas” de orgulho, egoísmo e relativismo. Contudo, a força para preservar essa veste vem da graça de Deus, especialmente nos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia. A celebração da fé nos ajuda a recuperar a pureza inicial do batismo e a nos revestir, uma vez mais, de Cristo.

Ser cristão é ser reconhecido por essas “vestes espirituais” do amor, da humildade e da verdade. O sinal da veste batismal nos desafia a viver de maneira coerente com a fé, reconhecendo que fomos revestidos de Cristo e chamados a ser luz no mundo.

Assim como as vestes sacerdotais distinguem os ministros e os ministérios na liturgia, nossas ações devem ser a marca visível de que pertencemos ao Reino que não é deste mundo, mas que começa nele. Conservar a veste batismal intacta até o dia em que nos encontrarmos face a face com o Rei dos reis é viver em contínua conversão.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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