04/04/2014
Reforma e restauração renovam Paróquia São João Batista
Próxima de completar 190 anos, Matriz terá sua história preservada e parte da estrutura modernizada
CAPIVARI – Criada há 188 anos e inaugurada por volta de 1890, a Paróquia São João Batista, uma das mais antigas da Diocese de Piracicaba, está sendo restaurada 39 anos depois da última intervenção, feita pelo padre Eusébio Van Den Aardweg, então vigário episcopal da Região de Capivari, falecido em 1993. Depois disso, a igreja recebeu apenas duas pinturas, uma delas supervisionada pelo monsenhor Luiz Simioni, que morreu em 2010, aos 71 anos.
Patrimônio histórico e cultural, a restauração da Matriz está a todo vapor. As missas, que agora estão acontecendo normalmente no local, já chegaram a ser realizadas, conforme necessidade do andamento, no Ginásio Padre Eusébio. Uma equipe de profissionais trabalha para deixar a igreja “novinha em folha”, desde a substituição das madeiras – infestadas de cupins – por gesso, até os mais delicados retoques nos desenhos.
O restaurador Aparecido Luz conta que a parte na qual atua, de restauro do Santíssimo, começou em outubro do ano passado. Trabalhava em casa, com auxílio de uma mesa de desenho, ao mesmo tempo em que outra empresa realizava o serviço de pintura fixa. “Comecei a trabalhar direto no local faz um mês”, comenta.
Segundo ele, a intenção do atual pároco, padre Adalton Demarchi, é “fazer uma restauração quase que geral”, e isso inclui procedimentos no forro, nos altares, nas pinturas cobertas e na decorativa, nos castiçais e em outros objetos, no piso, nas escadas, nas colunas, na iluminação, na parte externa e na praça, além da criação de novos espaços, como a sala de paramentação (local onde padre, ministros, leitores e acólitos se preparam para as missas), por exemplo.
Para conversar com O Semanário, o restaurador pausou o minucioso reparo que exercia numa tela datada de 1928. “Eu trabalho com aerossol, mas o processo que era feito antigamente chamava-se espolvoro. O camarada desenhava numa lona ou num papelão e depois fazia furos contornando o rabisco. Então, era só posicionar o desenho na superfície e ‘bater’ com um pozinho. O desenho saía todo pontilhado”, relata. “Esta foi feita assim”, garante, apontando os pontinhos na antiga tela em sua mesa de desenho. “Ela é tão rústica que tem até areia.”
Ainda de acordo com Luz, a tinta das paredes da paróquia foi retirada para encontrar a cor original. O processo de raspagem, contudo, ocasionou a descoberta de alguns desenhos. Questionado sobre o estado de conservação do ambiente religioso, o profissional avalia como bom. O problema, segundo ele, “é que foram pintando em cima das pinturas mais antigas”, o que dificulta ainda mais a restauração.
Para ele, o forro da nave central é a parte mais comprometida. “Ali foi até pior, porque pintaram por cima. Não houve interesse em restaurar, foi pintura mesmo. Por exemplo, onde havia a Santa Ceia, a pessoa pintou uma Santa Ceia da maneira dele, e não restaurando a original”, detalha o paulistano, que há mais de 25 anos vive em Mombuca, e há 45 carrega a responsabilidade de restaurar obras importantes para a preservação da memória de suas cidades e povos.
Terminada a primeira fase da restauração, Cido Luz afirma que a obra da igreja tem pelo menos mais um ano de chão pela frente ou até mais. Isso porque a previsão de entrega refere-se apenas à “parte mais grossa”. Ou seja, o restauro do forro, por exemplo, não atrapalhará a rotina dos fiéis. “Fico contente ao ver que as pessoas se interessam em defender obras antigas. O padre chegou falando ‘eu vou fazer’. Ele sabe que é caro, que leva tempo. Mas é agora ou nunca”, admite o profissional.
De acordo com o padre Adalton Demarchi, essa fase deveria ter sido concluída no dia 28 de março, há exatos dois anos de seu início, mas isso não foi possível. Agora, a previsão foi estendida para o final de abril. Tudo começou em 2011, quando o então pároco, padre Eugênio Broggio Neto, assinou um contrato no valor de R$ 69.200 com a empresa Fato Arquitetura, para a realização de um estudo aprofundado sobre a Matriz de São João.
A partir disso, o Ateliê Julio Moraes Conservação e Restauro desenvolveu o relatório que hoje é utilizado como base pela Audax Construções e demais restauradores. “O relatório contém fotos que revelam como a igreja era. Trata-se de um documento sobre o que seria útil e como seria a restauração ideal, com várias opções. Em cima disso, optamos pelas possibilidades mais viáveis, considerando os recursos disponíveis e o que poderíamos arrecadar”, explica Demarchi.
Segundo o padre, a restauração escolhida não vai trazer de volta o padrão original em todo o edifício “porque não haveria recurso suficiente para isso” e devido à impossibilidade de “recuperar o valor artístico”, visto que a pintura artística foi comprometida pela ação do tempo e pelas pinturas posteriores. No entanto, algumas áreas, nas quais os desenhos se encontram em bom estado, estão demarcadas para futuro restauro.
Até o momento, a obra já custou R$ 635 mil aos cofres da paróquia. Ao longo do ano, está previsto um gasto adicional de pelo menos R$ 152.790, incluindo a última parcela à Audax, após o término do serviço, no valor R$ 115 mil, as 11 parcelas de R$ 3 mil ao ateliê que está trabalhando nas telas da nave central e mais R$ 4.790 referente à conclusão do altar do Santíssimo, cujo trabalho está nas mãos da Kalu Móveis e Artesanato.
“Essa igreja recebeu duas pinturas artísticas. Teve uma primeira e depois uma segunda em cima da primeira. Ao fazermos a decapagem (retirada da tinta das paredes), em certos momentos chegamos à primeira, em outros, na segunda. Onde foram retirados os altares, a segunda pintura mostrou-se de maneira intacta. Em outros lugares, não”, destaca Demarchi.
Adquiridos em agosto do ano passado, o novo equipamento de som será instalado quando todas as paredes estiverem prontas. Além disso, as 25 colunas que sustentam a igreja serão marmorizadas, assim como sua douração superior com folhas de ouro. De acordo com Cido Luz, o restauro de cada coluna leva, em média, 15 dias.
Os arabescos (figuras geométricas geralmente similares às formas de plantas) dos três altares de madeira, compreendendo o do Santíssimo, também passarão por um processo de douração, visando retornar à obra original. Com exceção da douração, que é de responsabilidade de uma artista local que não cobrará pelo serviço, a cada etapa é preciso obter uma nova cotação, a fim de avaliar aspectos importantes como qualidade do trabalho, custo e prazo de entrega.
“Antes de iniciarmos a marmorização das colunas, o Cido e outros três ou quatro artistas farão uma demonstração cada pra gente escolher o melhor”, exemplifica o pároco. Os nichos (pequenos altares) dos corredores laterais, por sua vez, foram reconstituídos pela Marmoraria Shalon e as réplicas dos medalhões ficaram por conta de uma companhia de Piracicaba.
A Matriz de São João teve todos os pisos que não eram originais trocados. Para isso, uma empresa produziu a fôrma, que custou R$ 3 mil e deu origem a 1.458 peças, cada uma no valor de R$ 6. A iluminação também está sofrendo modificações. No lugar dos lustres – acrescidos ao longo do tempo e que não fazem parte da estética primária – a igreja está recebendo luzes de LED.
“Segundo consta na história, essa igreja tinha lustres de cristal. Não vamos fabricar um na tentativa de imitar o que existiu um dia, mas também não vamos voltar ao original, que era aquele tipo de luz que ficava no teto, com um ‘globinho’ redondo em cima, porque não ‘dá’ qualidade de iluminação. Então, optamos por inserir uma mais moderna, que não fique nada pendurado.” Ao mesmo tempo, determinados pontos ganharão luminosidade especial, visando ressaltar alguns desenhos.
As imagens do forro do altar, datadas de 1900 e cujo painel não pode ser retirado do local, serão restauradas futuramente, pois “isso depende de eu ter dinheiro para pagar um especialista. Não é qualquer artista que pode restaurar uma obra original”, explica o pároco. O mesmo acontece com o painel de Santa Cecília, pintado atrás do altar em 1937.
Documentada em catálogo internacional, a obra de Ângelo Simioni só pode ser restaurada por um profissional específico, o que deve representar um gasto até quatro vezes maior em relação às pinturas sem valor histórico. “Não posso dar para qualquer um intervir. Tem que ser um especialista em arte. Não é difícil encontrar. O problema é o custo, porque precisa ser um profissional com registro, sob a pena de perdermos a originalidade da tela”, comenta Demarchi. Além dessa, a paróquia possui outra arte importante, a imagem de São João que está sob o altar. Ela foi criada por um dos irmãos Dutra, que passaram pela região no início do século passado.
Em paralelo às obras de dentro da Matriz, um ateliê está desenvolvendo novos painéis para o forro da nave central – oito rolos de tela. Segundo o padre, os desenhos atuais, feitos em 1975, não têm valor histórico-artístico. Assim, os de 2014 vão imitar o estilo do Dutra, com cores mais leves, seguindo o relatório da restauração e devem ser inaugurados na Páscoa de 2015.
“O estado de conservação da Matriz, em termos gerais, era muito ruim. Só de olhar a parte externa você já tem uma visão clara das coisas. Os anjos estão se deteriorando, porque nunca tiveram tratamento adequado. Agora, vou ter que substituir todos eles. A umidade danificou a parte interna.” Com a reforma, garante, a igreja aguentará mais 50 anos, desde que haja uma manutenção preventiva “de tempos em tempos”.
Segundo o sacerdote, parte da estrutura estava cedendo e precisou receber calçamento inferior, duas sessões de impermeabilização e substituição das madeiras podres, incluindo 90% do madeiramento do telhado e 100% do ripamento e das madeiras mais finas. A parte elétrica e a fiação também foram trocadas. “Fizemos uma primeira impermeabilização, que foi geral, e voltamos para uma segunda pontual, fazendo a injeção de veneno para matar cupim”, conta.
A primeira fase da restauração da Paróquia São João Batista, afirma o padre Adalton Demarchi, está sendo paga apenas com recursos próprios, que são os resultados das últimas festas (R$ 401.180), as doações dos fiéis (R$ 90.144) e o excedente acumulado em dois anos (R$ 145.895). Porém, atualmente o saldo da Matriz gira em torno de R$ 40 mil, insuficiente para os gastos assumidos.
“A partir de agora, a gente vai começar a desenvolver campanhas de arrecadação direcionadas às empresas da cidade, além de eventos beneficentes, como o Puchero que o Rotary está organizando”, comenta o padre. A venda da “feijoada branca” será realizada neste domingo, 6, com limite de 1.000 ingressos a R$ 30 cada.
Mas o projeto de renovação não se trata apenas da parte interna da São João, embora a lista de coisas que ainda precisam ser realizadas seja extensa. “Lá fora vai ter um prédio orçado em R$ 600 mil”, revela. A ideia consiste em criar um ambiente com fachada reta e entrada pela esquina atrás da igreja, com recepção, secretaria, sala do padre, sempre no andar térreo, para facilitar o acesso, sobretudo dos idosos.
A construção também comportará uma sala climatizada para arquivar os inúmeros documentos da paróquia; uma sala de reuniões; outra para lavar vasos, panos e guardar materiais de limpeza; um local para conservar imagens usadas eventualmente; banheiros masculino e feminino e a sala de paramentação. “Não precisaremos mais atravessar a igreja toda para entrarmos.”
Com isso, uma das mais belas construções da região aos poucos vai se recuperando e avivando a história de Capivari. “Tem gente que olha lá na frente e me pergunta ‘não vai trocar os bancos?’ É claro que não dá para agradar todo mundo, infelizmente, mas tendo a parte física pronta, os detalhes a gente vai acertando com o tempo. Estamos fazendo o possível. E o povo ajuda”, conclui.