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Proprietário do Cine Vera Cruz revela porquê a magia do cinema sobrevive até hoje

29/05/2015

Proprietário do Cine Vera Cruz revela porquê a magia do cinema sobrevive até hoje

Na segunda parte da entrevista, Davilson Talassi anunciou mais novidades; os 60 anos do Cine Vera Cruz serão comemorados ao longo de todo o ano
Cine Vera Cruz completou 60 anos no último dia 23; complexo está entre os 230 cinemas de rua do país (Foto: Laila Braghero/O Semanário)
Cine Vera Cruz completou 60 anos no último dia 23; complexo está entre os 230 cinemas de rua do país (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

CAPIVARI – O Cine Vera Cruz completou 60 anos no último dia 23, e para comemorar esta data, o jornal O Semanário conversou com Davilson de Jesus Talassi, de 57 anos, proprietário do cinema há 32. Na primeira parte da entrevista, publicada na edição anterior, o empresário anunciou a transição da película para a tecnologia digital e a inauguração de uma segunda sala para o próximo mês.

Ele também recordou um pouco a história do cinema capivariano e, agora, conta mais uma novidade: a implantação do 3D. Segundo Talassi, o Cine Vera Cruz só se mantém em pé até hoje, porque ir ao cinema é um programa cultural diferente, que não existe em outro lugar. “Assistir a um filme por assistir dá para fazer em casa”, diz. Já no cinema, a pessoa “esquece do mundo e se transporta para a tela”.

Capivari abraça um dos 230 cinemas de rua espalhados pelo país; em todo o estado são apenas 70, de acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine). No Brasil,  70% dos cinemas estão localizados em shoppings. A Ancine explica, porém, que os cinemas de rua, além dos que o próprio nome sugere, também são considerados como aqueles que sobrevivem em galerias, centros comerciais e até supermercados.

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No estado de São Paulo há 159 complexos dentro de shoppings, com 852 salas, contra 70 cinemas de rua, com 101 salas. Segundo Talassi, quando o Cine Vera Cruz estiver totalmente reformado, o município “não vai ficar devendo para nenhuma sala de fora. Vai ficar no mesmo nível. Tudo o que você vê em outra cidade vai ter aqui”, garante. Confira a segunda e última parte da entrevista com o empresário.

Jornal O Semanário Regional: Além da transição para a tecnologia digital e da segunda sala, haverá outras novidades?

Davilson de Jesus Talassi: Nós também vamos passar para o 3D. Como vamos fazer a transição para o sistema digital, eu já optei pelo digital 3D. Com isso, nós poderemos exibir tanto um filme em 3D quanto em 2D. Igualmente, a tela vai ser trocada por uma tela 3D. Eu acredito que até mês que vem a gente já terá implantado tudo isso aqui em Capivari.

Minha ideia inicial era inaugurar o digital, o 3D e a segunda sala lá embaixo, tudo nesse mês de maio, por ser o aniversário do cinema, de 60 anos. Só que as coisas foram ficando difíceis, porque você tem um investimento muito grande e também esbarra em algumas coisas, como o Corpo de Bombeiros, cada vez mais exigentes. Eles estão certos. Não estão errados. Mas tudo é investimento.

Eu deixei de fazer a programação para o mês de maio, mas, por outro lado, estamos montando uma programação para o ano inteiro. Então nós vamos ter uma série de novidades no cinema para comemorar esses 60 anos do cinema.

O Semanário: A primeira sessão na sala nova terá algo especial?

Talassi: Eu não pensei nisso ainda. Mas vai ter, sim. Inclusive para o 3D nós também vamos fazer uma sessão especial para imprensa, convidados, autoridades, rádios, alguns ouvintes das rádios e algumas pessoas ligadas a jornais, para mostrar o novo equipamento e fazer uma inauguração, com café da manhã, uma festinha, uma comemoração mesmo para marcar esse acontecimento.

Porque é uma evolução muito grande. Algumas pessoas não têm noção do que isso representa. Representa a sobrevivência do cinema de Capivari, pois como não vai mais ter película, a distribuidora falou: “quem tiver digitalizado continua exibindo filme. Quem não tiver fecha”. Então você fica numa situação que ou investe, acredita e faz, ou fecha e não tem mais nada.

E eu tive uma força muito grande de muita gente para optar pelo investimento, para acreditar na cidade e sobreviver. É um marco muito interessante.

O Semanário: Você pensa em expor o maquinário antigo?

Talassi: Sim. Eu pensei em montar um pequeno museu para mantê-lo.

O Semanário: O que acontece com os filmes depois que eles passam aqui?

Talassi: Vão para outro cinema. Quando eu não lanço o filme com o Brasil inteiro, ele vem de outro cinema. Geralmente, eu pego o filme na segunda ou na terceira semana, então ele vem de um cinema que o lançou. Não é todo filme que eu consigo lançar aqui, porque o custo da cópia é muito alto. Então, se eu sei que o filme não vai dar público suficiente para pagar a cópia, eu lanço depois.

O cinema que lança paga o custo da cópia. Quando eu pego de quem lançou, eu pago apenas o custo do filme. Por isso que, para mim, às vezes é mais interessante esperar duas ou três semanas para pegar um filme com menor custo. Porém, com o digital, não haverá o custo da cópia. Eu poderei lançar qualquer filme. Nós vamos ter acesso a todos os filmes, de ponta ou não, a hora que eu quiser.

O Semanário: Por que o Cine Vera Cruz exibe mais filmes dublados, em vez de legendados?

Talassi: A procura por filmes dublados é muito maior que por legendados. A proporção chega a ser de 90% para dublados contra 10% para legendados. Com a digitalização, tecnicamente é mais fácil optar pelo legendado no lugar do dublado. Contudo, quem manda é o público. Tudo vai depender da procura.

O Semanário: Vai manter o cinema por mais uns 60 anos?

Talassi: Isso também vai depender do público. Não depende só de mim. Enquanto o público frequentar cinema, gostar de cinema, a gente vai acreditando e investindo no Cine Vera Cruz.

O Semanário: Você pretende entregar o cinema a alguém um dia?

Talassi: Não sei. A força quem me dá são meus funcionários. Tenho gente que está comigo desde quando comecei, que é o Waldo Roberto dos Santos, o Baianinho. Ele está comigo desde Rafard. Todos os funcionários que passaram aqui pelo cinema me deram uma força muito grande. Sou grato a eles. Você precisa gostar e fazer de coração, porque é sábado, domingo, feriado. É difícil. Não é todo mundo que está disposto.

O Semanário: A família ajuda?

Talassi: Eu tenho três filhos, mas eles são pequenos ainda. A Nathália tem 11 anos, a Lívia, 7, e o Lucas, 3. Já minha esposa Josiane, de 39 anos, é comerciante e me ajuda muito. Ela me dá toda a força possível, tanto na parte de incentivo como quando, às vezes, preciso substituir um funcionário. Ela sempre me ajuda.

O Semanário: Como funciona o Projeto Sessão Escola?

Talassi: Hoje eu tenho uma força muito grande da Prefeitura. Eu quero até agradecer essa força que o prefeito Rodrigo Proença [PPS] me dá, que acaba beneficiando as duas partes: o cinema e a criança. Todos os anos, duas vezes por ano, ele manda os alunos das escolas municipais ao cinema. Com isso, vem uma receita pra gente que é super interessante, e dá às crianças mais carentes o acesso que normalmente elas não têm.

São crianças humildes, que não têm hábito nem poder aquisitivo para ir ao cinema. O pai e a mãe não têm a prioridade de trazer a criança. Então eles acabam vindo, conhecendo, gostando e retornando. A gente também dá essa oportunidade às escolas particulares, mas já são estudantes com maior poder aquisitivo, que já vêm normalmente ao cinema. Não é uma novidade para eles.

O prefeito de Rafard, César Moreira [PMDB], também traz as crianças das escolas municipais por meio desse projeto, além de Elias Fausto, Mombuca. Graças a Deus, todo o pessoal da região vem pra cá.

O Semanário: E as escolas estaduais?

Talassi: O Governo do Estado tinha um programa, no qual eles pagavam um valor reduzido do ingresso para toda a rede estadual vir ao cinema. Embora fosse um valor muito pequeno, também era interessante, pois criava o hábito nos jovens. Essa é uma parte didática. A gente sempre escolhe um filme histórico, que traga uma mensagem legal para a criança ou para o adolescente. Não é qualquer filme que a gente traz.

É um momento que marca qualquer criança. Eu lembro quando era pequeno, que eu ia ao cinema, lá em Rafard, era uma excursão, como se fosse para São Paulo hoje, ou para outro estado. Quando você senta uma criança num ônibus – uma semana antes fala para ela que ela vai ao cinema, que ela vai assistir a um filme –, a criança fica com essa expectativa e essa lembrança não sai mais da vida dela.

O Semanário: Quais são os horários das sessões?

Talassi: De segunda a sexta-feira, às 20h30, e aos sábado, domingos e feriados tem as matinês, às 15h e às 17h ou 17h30, dependendo da duração do filme. Depois tem à noite também, às 20h30. Com a segunda sala eu terei mais um horário todos os dias: 21h.

O Semanário: Quais as vantagens da segunda sala?

Talassi: Como ela será independente da primeira, eu vou ter mais opções de filmes. Não vou passar lá embaixo exatamente o mesmo filme que estou passando aqui. Vai depender da programação. Eu vou passar um filme em cima e outro embaixo. O público vai ter mais opções.

Por exemplo, eu passei Vingadores três semanas, então o público vem na primeira semana e assiste. Depois, ele quer assistir a outro filme na segunda semana, mas é o mesmo, daí ele não vem ao cinema. Na terceira semana ele quer vir, mas é o mesmo filme de novo. Daí ele acaba indo a Piracicaba ou Campinas. Com a segunda sala, o público vai ter mais opções. Se eu continuar com Vingadores aqui, na sala de baixo eu vou mudar o filme. Se a pessoa quiser vir amanhã de novo, já é outro filme.

O Semanário: Conte um pouco sobre a época em que a parte de baixo do Cine Vera Cruz também funcionava.

Talassi: A Casa da Cultura atrapalhou o cinema. Porque como tudo era centralizado aqui, a gente tinha condições de manter aquela sala funcionando e sempre aconteciam as apresentações. Quando surgiu a Casa da Cultura, foi direcionado para lá, então eu acabei não tendo suporte para continuar aqui. Só que também acabou não acontecendo mais. Daí ficou sem nada lá e nem cá.

Em minha opinião, o único salão com condições de trazer uma peça grande de teatro, uma peça boa, é aqui no cinema, onde já vieram muito cantores, artistas e humoristas. Nós trouxemos grandes peças de teatro, com artistas de renome que não vêm para outro lugar. Lá [na Casa da Cultura] eles não têm uma estrutura, um camarim, um palco que comporte a apresentação de uma peça grande.

Quando os caras vêm para o interior, eles querem saber do local. Eles vêm, analisam e se for um local acanhado eles não vêm. E aqui nós temos essa estrutura. Nós precisamos melhorar um pouco e reformar, mas estrutura para isso nós temos. Temos um palco bom, um camarim bom, um espaço para ampliação do que precisar. E a acústica aqui é muito boa.

Porém, essa é uma terceira etapa que a gente ainda tem de buscar recurso para isso. Vamos ver se a gente consegue uma parceria com uma empresa grande que patrocine tudo, porque do nosso bolso é difícil.

O Semanário: Precisa fazer algum curso de capacitação para trabalhar no cinema?

Talassi: Não. É mais gostar mesmo. A não ser para essa nova tecnologia. Já estão programados os cursos de reciclagem para o pessoal que trabalha comigo, na parte de projeção, principalmente. Porque é uma nova tecnologia, com tudo informatizado. O cinema vai ser 100% informatizado: projeção, som, bilheteria, bomboniere. Até a luz apagará e acenderá a hora que o filme quiser.

Com esse novo sistema de projeção, tudo estará programado dentro do filme: o nível de volume, o grave e o agudo, a equalização. É um software automático. Ele vai soltar o volume adequado para o ambiente de acordo com o tamanho da sala. É uma tecnologia revolucionária. Capivari não vai ficar devendo para nenhuma sala de fora. Vai ficar no mesmo nível. Tudo o que você vê em outra cidade vai ter aqui.

O Semanário: Já aconteceu algo muito engraçado aqui?

Talassi: Tem várias coisas. Antigamente eu trabalhava com dois projetores, e o filme vem dividido em 15 minutos cada parte. Um dia, na hora de projetar o filme, o rapaz que passava inverteu as partes. O filme chamava O Elevador sem Destino. O cara caía no elevador, lá embaixo no buraco, e morria. Daí ele caiu e, de repente, apareceu de novo no filme, porque o rapaz inverteu os rolos.

Todo mundo ficou sem entender como o cara tinha morrido e voltado de novo, e eu tentando convencer o pessoal que era assim mesmo, que o filme era esse. “O cara voltou? O filme está voltando de novo?” E eu falava: “É assim mesmo. O filme é confuso, mas é assim mesmo”. Se não eu teria de devolver o dinheiro para todo mundo.

O Semanário: E os cartazes, muitas pessoas vêm pedir?

Talassi: Toda semana. Todos os cartazes o pessoal vem pedir e eu dou. Às vezes eu sorteio na internet, no site do cinema. Porque depois que você exibiu o filme, não tem mais utilidade. É descartável.

O Semanário: Você já recebeu algum famoso no Cine Vera Cruz?

Talassi: Uma vez veio a Ana Hickmann. Ela veio numa fazenda aqui em Capivari, num feriado, e à noite ela veio ao cinema. Entrou, sentou, assistiu ao filme e ninguém soube que era ela. Ninguém percebeu. Tinha um pessoal com ela, que me perguntou antes se ela poderia entrar por um lugar separado para não ter problema. Por fim, ela acabou entrando com o público mesmo e ninguém percebeu.

Essa sala também foi escolhida por uma agência de publicidade que fazia campanhas para a TIM. Eles estavam procurando uma sala cuja poltrona fizesse uma onda, por causa da logomarca da TIM. Eles queriam fazer uma imagem do cinema, de lá de trás, com o personagem lá na frente, sozinho, assistindo a um filme. Daí tinha o slogan da campanha, que era: “Com a TIM você nunca está sozinho”. Toda a filmagem e as fotos dessa campanha foram feitas no cinema de Capivari.

O Semanário: Já precisou tirar pessoas da sala?

Talassi: Muitas. Antigamente, isso era muito comum. As pessoas não tinham o hábito de ir ao cinema. Elas achavam que ir ao cinema era farra, então eu acabei tirando vários adolescentes. Alguns vêm em turma e querem fazer gracinha para sobressair aos outros. Então você tem de ir lá e pedir para ele se retirar. Daí os outros ficam quietos.

Mas o público já mudou muito. Antigamente, as pessoas fumavam dentro do cinema. Só falta ainda um pouco mais de educação, porque a sala fica muito suja depois de cada sessão. Latinhas, embalagens vazias e até pipoca. Poucos jogam no lixo antes de sair. Nós vamos começar a fazer campanha na tela. Algo do tipo “jogue seu lixo no lixo”, para que a pessoa fique com vergonha de deixar sujeira na poltrona antes de sair.

O Semanário: Tem algo que você gostaria de acrescentar?

Talassi: Eu quero agradecer aos patrocinadores do cinema, aos parceiros que a gente exibe na tela, e a toda imprensa que colabora gratuitamente. A força que os jornais e as rádios dão ao cinema é muito importante. Afinal, eu dependo de vocês para divulgar minha programação. Tenho de agradecer também aos proprietários do prédio, que me ajudam a manter o cinema na cidade.

Muita gente me pergunta como o cinema ainda sobrevive, pois a concorrência é muito desleal. Não só do cinema: um circo, um porque tem uma concorrência desleal com a televisão, por exemplo. E o cinema ainda sobrevive apesar da pirataria, porque assistir a um filme por assistir dá para fazer em casa. É só baixar da internet, pegar um DVD pirata ou a TV por assinatura.

Mas o programa de você tomar um banho, agendar com seu namorado, ir ao cinema, pegar uma pipoca e sentar, apagar a luz, esquecer do mundo e se transportar para a tela, esse é um programa que não existe em nenhum outro lugar. Na sua casa você não consegue isso. Você está assistindo a um filme, toca o telefone, tem alguém falando, você perde o foco.

Então, o cinema sobrevive por causa disso. Porque o programa de ir ao cinema é diferente, é importante, e as famílias têm de incentivar isso nos filhos. Caso contrário, nós vamos ter uma geração de pessoas com a latinha na mão nas esquinas, nos bares, e não vai ter cultura. Os pais precisam incentivar os filhos a irem ao teatro, também, a assistirem a uma peça. Estimular a cultura. E cinema também é cultura.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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