O Evangelho é sempre um tesouro de onde podemos tirar ensinamentos antigos e novos, mas sobretudo é uma luz para o hoje da nossa vida. No Evangelho de Mateus (20, 25-28), encontramos a passagem onde Jesus responde à mãe dos filhos de Zebedeu que buscava, de certa forma, garantir para seus filhos os lugares de honra no Reino: “Vocês sabem que os chefes das nações as dominam, e os grandes exercem poder sobre elas.
Entre vocês não deve ser assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vocês, seja aquele que serve”.
A partir desse pedido, um tipo de “eleição indireta”, Jesus redefine a liderança como um serviço, desconstruindo a ideia de poder como privilégio. Uma atitude como aquela reflete um modelo de eleição e de escolha baseada na indicação pessoal, que contrasta com o princípio cristão de uma liderança comprometida com o bem comum.
Nas democracias modernas, a eleição indireta é inviável para garantir que os cargos públicos sejam ocupados por pessoas que representem verdadeiramente a vontade popular. O sistema eleitoral, que é o fundamento da democracia, permite que cada cidadão tenha voz e vez na escolha de seus representantes.
Sem essa representatividade, a política se torna um instrumento de poucos, perpetuando desigualdades e interesses particulares. Por isso, é essencial que as eleições sejam transparentes e inclusivas, promovendo o engajamento de todos os setores da sociedade. Infelizmente também é verdade que uma parte significativa dos eleitores não compareça às urnas no dia da votação, abrindo mão da responsabilidade de eleger seus representantes.
O prefeito eleito em cada cidade carrega sobre si a responsabilidade de ser o guardião do bem comum, não apenas no cumprimento de promessas de campanha, mas também na administração eficiente e ética dos recursos públicos.
Os vereadores, por sua vez, têm o dever de legislar e fiscalizar, assegurando que os interesses da população sejam respeitados e promovidos. Esses cargos exigem lideranças com sensibilidade social e firmeza moral, com capacidade para colocar os mais vulneráveis no centro das políticas públicas. Quando o período eleitoral tem boa participação, o resultado final das urnas demonstra uma diversidade na representatividade, uma realidade salutar para a vida política.
Porém, a responsabilidade política não recai apenas sobre os eleitos, mas também sobre os eleitores. A democracia exige participação ativa e constante. Não basta votar, é necessário acompanhar e cobrar o desempenho dos gestores e parlamentares, denunciando desvios e apoiando iniciativas que promovam o bem comum.
A transparência deve ser cobrada e hoje se torna sempre mais acessível pelas redes sociais. Por outro lado, a indiferença e a omissão, dos eleitores corroem os alicerces da democracia e comprometem o desenvolvimento justo e solidário das comunidades. Se ouvimos as propostas que foram apresentadas pelos candidatos, devemos agora ver a realização e desenvolvimento dos projetos.
A responsabilidade cristã com a política é um chamado à vivência da fé no campo social. O Papa Francisco, na encíclica Fratelli Tutti, afirma: “A política é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT, 180).
Essa visão desafia cada cristão a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna, seja no exercício de um mandato, seja na sua atuação como cidadão consciente e engajado. Portanto, as eleições não são apenas um momento de escolha, mas uma oportunidade para renovar o compromisso com os valores cristãos e democráticos.
Cabe a cada um de nós ser sal e luz no cenário político, promovendo o diálogo, a justiça e a paz em todas as instâncias da sociedade. Eleitos e eleitores precisam caminhar em comunhão, tendo como objetivo o bem comum, sobretudo dos mais necessitados.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba