Nasci no seio de uma família, cujos membros frequentemente se visitavam entre si e visitavam até mesmo os amigos antigos, e a cada encontro era como se não vissem há anos.
Quando meus pais decidiam que íamos visitar algum parente, minha mãe já ia mandando a gente caprichar no banho porque a gente ia sair. Esfregue bem as orelhas, enxugue os cabelos, coloque a roupa que está em cima da cama e venha aqui para eu pentear você – dizia ela.
Todos de roupa trocada, calçados limpos, cheirando do mesmo perfume e lá íamos nós, visitar algum parente ou conhecido de meus pais. Todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, nos finais de semana.
Quando a visita era em outra cidade pegávamos o trem ou ônibus e quando era perto, todos iam a pé, sem reclamar senão tomava bronca: – Na próxima vez vai ficar em casa, seu molenga!
O interessante é que o costume era chegar sem avisar, chegar de surpresa mesmo. E os donos da casa recebiam alegres as visitas, assim como meus pais também recebiam com alegria os amigos e parentes que nos visitavam, fosse a hora que fosse.
Aos poucos, todos iam se cumprimentando, um por um, todos falando juntos e se abraçando ao mesmo tempo e cobravam das crianças que fizessem o mesmo. Cumprimentar os mais velhos com beijo na mão era sinal de respeito.
– Olha seu tio aí, cumprimenta ele, olha a tia, dá um beijo nela, seu caipira! E assim era, a gente apertava a mão de todos os integrantes da casa.
Depois, todos em pé, aguardavam o convite do dono da casa para tomar assento nas cadeiras: – Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
Aí a conversa começava a rolar solta na sala entre os adultos. Meu pai conversando com o dono da casa, e minha mãe de papo com a dona, até que esta convidasse para ir para a cozinha.
Se tinha um sofá, as crianças se juntavam assentados todos nele, se entreolhando, e olhando a casa deste o quadro na parede até a cortina de fitas coloridas que separava a sala, da cozinha, de onde começava logo vir um cheiro de bolo fubá com sementes de erva doce e o típico cheiro de café coado na hora.
Desde os retratos na parede, ao quadro do casal romântico, desde as flores na mesinha de centro, aos móveis daquela casa singela e acolhedora, nada escapava dos atentos olhares das crianças. Com algumas diferenças a nossa casa e quase a todo mundo também era assim. Afinal, esse era o nosso mundo!
Também as visitas, tais e quais as casas, eram singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que o café era apenas uma parte das delícias, pois eram colocados o pão feito em casa, bolo, broas, queijo, manteiga, marmelada, leite… tudo sobre a mesa. E os visitantes se derramavam em elogios às prestezas e dotes culinários da dona da casa, que estava mais preocupada em ajudar a servir os pequenos.
Juntava todo mundo e as gargalhadas ecoavam no ambiente, afinal, a vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na amizade sincera… Era a vida! Vivida tal como se deve viver, saboreando cada segundo dela, como se já estivéssemos vivendo na eternidade, pois era assim a nossa vida, transbordando simplicidade, alegria e amizade…
Quando saíamos para voltar para casa, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina, acenando para todos. E para chegar em casa a caminhada a pé, muitas vezes longa, com o sono querendo nos tomar, mas com o coração aquecido pela acolhida sincera.
Era assim também na casa dos meus pais, onde recebíamos as visitas com o coração em festa, e com alegria que se repetia a cada visita. E, quando nossas visitas partiam para suas casas, a família toda também saía até a porta para a despedida nos mesmos moldes de como éramos tratados, e, olhávamos, olhávamos… até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou, nossos pais se foram, e as famílias de hoje raramente se encontram, sendo todos diplomados em solidão. Parece-nos faltar tempo para as coisas mais comezinhas da vida, tais como sentar num banco de uma praça e jogar conversa fora.
Hoje as famílias combinam encontros com os amigos fora de casa, ninguém quer entrar mais ser incomodado e assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem possibilidades enterradas. Casas trancadas, que se abrir, o ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite…
Que saudade dos meus pais, da minha vovó e dos parentes que se foram, e das visitas que também se foram para nunca mais!
Adaptação de uma crônica de José Antônio Oliveira de Resende, professor de Prática de Ensino de Língua
Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João Del-Rei