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O castigo do carroceiro

Foi no meio de uma tarde
Dessas que parece que é preciso descansar um pouquinho?
Não tenho esse costume
Mas nesse dia
Deitei e, tão ligeiro, peguei no sono bem profundo
Quando acordei, bateu uma pressa de escrever
Parece que alguém veio pedir para que eu escrevesse um pouquinho
E na minha cabeça esse causo foi chegando, bem explicadinho
Começou desse jeitinho:
Todos os dias eu via aquele senhor com sua carroça
O burrinho puxava bem devagarinho
Mas ele surrava e gritava bem alto com seu animalzinho
Para quem via de longe, até parecia que estava falando sozinho
O pobre animal era tão velhinho e educado
Quando o carroceiro dava as ordens, o burrinho ligeiro obedecia
Se via que nem precisava mandar, o animal já atendia
Assim acontecia todos os dias
Se deixasse, o burrinho fazia o caminho sozinho, de tão acostumado
Mas o homem gritava e batia
Volta e meia ia na frente, puxava pelo cabresto e dava socos com raiva
Pobre burrinho
Trabalhava o dia inteiro e todos os dias
Até encolhia quando sentia o arreio cortando seu lombo
Ainda vou dizer: aquele arreio velho, com seu couro ressecado, fazia feridas e o senhor não arrumava e nem dava atenção
Sentimento não tinha
Assim se passaram dias, meses e anos
E o burrinho cada vez mais cansado
Como tem sempre alguém vigiando
Eu estava lá, olhando de longe, e nem falar eu podia
Mas fiquei espantado nesse dia
Nunca ninguém faz nada escondido
Assim meu avô já dizia
Depois daquele trabalho, o burrinho, cabeça baixa de cansado
Com dores por ser maltratado
Quando o carroceiro chegou na frente
De longe eu via, mas não ouvia
O burrinho bate a pata da frente no chão
E o casco faz levantar poeira e terra
E com a cabeça mexia
O carroceiro, parado na sua frente com o arreio nos ombros,
Tira o chapéu da cabeça e aperta contra o peito
Era como se o burrinho alguma coisa dissesse
Esse senhor, ainda apertando o chapéu contra o peito, se ajoelha na frente do seu burrinho cansado, mas ainda agitado
Eu queria chegar perto, mas parece que alguma coisa me impedia
E fico mais espantado ainda quando vejo
O carroceiro, de joelhos como quem pede perdão, cai com o corpo para o lado
O burrinho, se acalmando, cabeça baixa
Nessa hora corri, ainda mais espantado
Notei que o carroceiro, na frente do seu burrinho, morria
Assim termina a história que me contaram enquanto eu dormia
Tenho certeza de que ninguém quer saber o que o velho e sofrido burrinho dizia
Será que foi o castigo do carroceiro?
Por isso os maus-tratos, abandonos e falta de carinho com as criações têm que acabar
Pense nisso enquanto é dia
Não foi imaginação e nem invenção
Mas porque isso veio na hora do meu descanso, enquanto eu dormia?
Não era noite. Foi logo após o meio-dia

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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