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O arreio especiar

Conheci, há muito tempo, dois cumpade, amigo como eis nunca mais vai se achá.
Podia fazê frio, podia vim temporá, fosse o perigo que fosse enfrentá era difice de se largá.
Andava na estrada sempre a conversá!
Gostava até de cantá!
Quando eis pegava a viola, dava gosto de escuitá, as vois afinada do Chico e do Pedro Francisco.
Sempre junto!
Os cavalo bem tratado, arreio conservado, e saía exibindo mesmo, com a beleza dos animar.
Dois caboclo de chapéu, bota sanfonada, bota de peão!
Lenço no pescoço, canivete dos bão, e um belo facão.
Num certo dia, andando os dois a pareia, conversando, cavalo passo lento, naquele pedaço de chão batido, puído pelo gado.
Ar parado, dava pra sentir de longe o cheiro do cigarro. Êta, paieiro gostoso!
Eis pitava sossegado, era sempre assim,
Sempre a proseá!
E numa destas cunversa, ói o assunto que foi se dá!
O Pedro Francisco, cabocrão de um e noventa, braço forte.
Seu Chico mais franzino, regulava uns deis mais baixo.
Mais na hora de laçá ou pegá o boi, as força era iguá.
Pedro Francisco, tomado pelo assunto, acabô por fazê uma promessa pro seu Chico,
Dizeno que quando chegasse à venda do Zé Brunharo, ele ia comprá um arreio novo, estribo de prata, uma tapa com trêis estrela, uma a cada lado, e outra na testa.
Um par de espora de estrela.
Um pelego vermeio, pra combiná com a cor dos arreio.
Um laço de dois tento, fininho, que na laçada podia até cortá o animar.
E ainda um porta-capela pra compretá.
Um arreio especiar!
Seu Chico, bão, educado, agradecia, do seu jeito simpre:
“Num carece de se preocupá!
Mais se é gosto do cumpade, então tá.”
No finar da caminhada, fim do trio que eis andava, tinha um quebra costela, passava um cavalo de cada veiz.
E, em seguida, a estrada boiadeira que se avistava.
Se despediram ali, foi cada um pro seu lado, a venda não era longe.
Num demorava pra vortá, seu Chico foi pro rancho queimá lata e descansá, queimá lata e cozinhá.

Passô a noite. O dia. Outra noite. Chegô mais um dia. E nada do Pedro Francisco vortá. Cumeçô a se preocupá!
E dicidiu num mais esperá.
Foi saindo com seu cavalo devagar, e pensando…
“Ara, que demora!
Eu num podia deixá o cumpade ir sozinho.
Bão, tá acostumado.
E despois, queria me dar um presente, o arreio especiar, então por que eu tô preocupado?”
Pensamento ia e vortava, e continuô andando. Encontrô uns amigo, chegô até comentá.
Chegô à venda do seu Brunharo, e perguntô logo do cumpade.
Seu Zé Brunharo respondeu e botô uma pinga no balcão. Seu Chico toma e torna a perguntá:
“E aí, home? O cumpade passô por aqui?”
E seu Zé falô: “Passô por aqui sim, e comprô um arreio especiar dizendo que era pro sinhô!”
Depois dessa prosa, foi pagá a pinga, seu Zé não cobrô.
Despediu do vendeiro, e dos cabocro que ali proseavam, amontô de novo em seu cavalo, ajeitô o chapéu quebrado na testa, bateu de leve com a mão no traseiro do animar, e saiu resmungando, a procura do cumpade Pedro Francisco.

E nunca mais ninguém soube notícia, nem do seu Pedro Francisco,
E nem ouvimo falá também do seu Chico, que saiu à procura do seu cumpade, e do presente prometido.
O tar arreio especiar!

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Do mermo jeito que um desapareceu,
Desapareceu tamém sem ninguém sabê o que aconteceu
Com os dois, que num era de se largá.

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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