Rubinho de Souza

Nossos amigos de infância

Resultado das minhas habituais caminhadas matinais, sempre no meio do dia, tenho uns 30 minutos reservado para uma “pestana” como dizia meu pai, que é aquele gostoso relaxar em que fecho os olhos e deixo estar assim meio dormindo, meio acordado, que os outros antigos chamavam de “madorna” – desconheço a origem etimológica da palavra.

É para mim um sono reparador, que me faz até sonhar e num dia desses em que passava por este momento, me vi menino, andando de bicicleta, correndo pelas ruas do bairro Padovani onde passei toda a minha infância, acompanhado de meu amigo Cláudio Castro, cuja amizade perdura desde aqueles dias até hoje.

Lá íamos nós pelas bandas do Paulino Galvão e depois até o São Francisco, onde a gente passava por um lugar que de tão ermo, só se ouvia os passarinhos a cantar. Subíamos nas árvores para poder enxergar ao longe. E quanto mais a gente subia numa árvore alta, maior era a sensação de liberdade pelo alcance dos olhos que a altura nos proporcionava. As casas ao longe eram vistas por nós, sob uma perspectiva diferente daquela de quando estamos no chão.

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Na árvore escolhida com essa finalidade, colhíamos frutinhas para passarinhos, que o Cláudio tinha na casa dele. Nunca aprovei prender os bichinhos, mas pela amizade acompanhava o meu amigo.

Do São Francisco, seguíamos para a caixa d’água de Rafard, que naquele tempo ficava isolada das casas dos moradores, rodeada de cana, sem outra construção por perto, salvo uma antiga casa não muito distante dali, que ficava no meio do pasto dos Moreira.

Por falar nos Moreira, era parada obrigatória para nadar, a lagoa dos Moreira, onde a água corrente, fazia dela uma piscina de água natural muito refrescante. Ali era o local de encontro de muitos moleques e alguns marmanjos como Tito Polesi, Breze, e a maioria dos filhos do João Guarda, os filhos de Romário Pires, o Nhô Lau e Sertão, e ainda os filhos do João Scarso, Gerinha, Nísio e Cássio.

Ali, perdia-se a noção do tempo e sempre tinha os mais atirados que subiam nos pés de manga e dando um nó na camisa para fazê-la de sacola, trepava na mangueira e descia com a camisa cheia de mangas maduras.

Nossos amigos de infância

Nesse mesmo local, era promovida pelos marmanjos de sempre, esse pessoal que nomeei acima caçada de coelhinhos do mato, que se fazia, sempre acompanhados de alguns cachorros de rua, entre eles, o mais assíduo nessas caçadas e nas nossas brincadeiras, o Pelé. Era um belo cão que não tinha dono, e ao mesmo tempo era de todos. Obediente ao nosso chamado, se fazia presente com um simples assobio. Tinha um porte médio e inteiro preto, não tinha uma mancha sequer de outra cor.

Um dia, corremos todos próximo ao bar de Zé Castro. Pelé fora atropelado por um caminhão. Foi uma correria de todos nós para avisar a todos do bairro, que nosso amigo Pelé estava morrendo, que quando cheguei para vê-lo, seus olhos já se fechavam entregando os pontos e aceitando o fim.

Nosso vizinho, Emílio Manzini (Pagatuti) era um homem admirável, e pessoa de atitude, muito capacitado para qualquer trabalho que exigisse a força dos braços. E quando ele viu o Pelé caído na grama, se debatendo para morrer, rindo, falou para todos nós, que estávamos ali em número de mais ou menos umas 30 pessoas. Capaz, disse ele, ele não vai morrer não. Ele é muito forte, e por ser um cachorro ainda novo, tem grande chance de escapar dessa. Vou fazer uma coisa aqui, que vai salvar ele, vocês vão ver!

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Entrou na sua casa, pegou uma agulha de costurar sacos de açúcar, passou nela uma linha bem grossa e espalmando a barrigada do Pelé, empurrou tudo de volta para dentro, com grama, e até algumas sujeiras juntos. Feito isso, juntou a pele do animal, e passou a costurar a barriga do bichinho, que somente gemia, pois já não tinha forças para reagir.

Terminado o procedimento, desinfetou o lugar suturado, carregou ele e acomodou o cão num rancho do seu quintal e falou para a criançada ir brincar que dali alguns dias, Pelé estaria pronto para outra, como costumava dizer.

Passou aquela noite e noutro dia fomos na casa de Emílio perguntar como estava nosso amigão. Ele gemeu a noite inteira, sinal que está vivo, respondeu ele, dando uma gargalhada, típica de sua pessoa.

Passados mais ou menos uns dez dias, já víamos Pelé andando com dificuldades no quintal do Pagatuti, e passados mais um tanto de dias, Pelé voltou a nos dar alegrias com suas brincadeiras e sua companhia. Morreu depois de mais de 10 anos, velhinho e com os pelos pretos já meio esbranquiçados.logo do fundo do baú raffard

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