Tenho que confessar que desde menino, nunca fui muito adepto do jogo de futebol, mas quando lá pelos idos dos anos 70, meus colegas de colégio me convidavam para ir brincar de bola no campo do RCA, sempre os acompanhava, nem que fosse para completar o número de participantes.
Na verdade, os meninos mais experientes — entenda-se, os rapazes com mais de 11 anos — eram os capitães, e cabia a eles a escolha alternada, cada qual para o seu time, dos melhores jogadores, numa emocionante disputa de par ou ímpar.
Depois que a gente conseguia formar dois times, descíamos no campo para pedir a chave do “quartinho” onde ficavam guardadas as redes, a bola e tudo o mais que era preciso para o nosso jogo.
Os capitães tiravam também entre si “par ou ímpar” para escolher quem iria pedir a chave para a temível Dona Nair, em cuja casa ficavam guardadas as chaves do campo e do quartinho. Ao chegar na casa dela e batermos à porta, éramos atendidos com um: – O que vocês querem já cedo? A gente explicava que queria jogar bola e precisava da rede e da bola, ao que dizia ela: – Não vou dar a chave coisa nenhuma, porque depois vocês deixam tudo bagunçado as coisas lá no quartinho!
Diante da negativa, a gente ainda agradecia com educação – pois assim fomos ensinados – e de cabeça baixa todos nós íamos embora. Mas Dona Nair – que, apesar de brava, tinha um bom coração – nos chamava depois que estávamos quase na saída: – Meninos, voltem aqui! E, ao voltarmos, já com a chave na mão, ela nos entregava, não sem antes recomendar: – Olha, depois que vocês terminarem de brincar, deixe tudo arrumadinho do jeito que encontraram, porque senão, da próxima vez não entrego mesmo a chave, entenderam? – Sim, Dona Nair, pode deixar que deixaremos tudo arrumado.
E assim, todos correndo como doidos, apostando quem chegava primeiro na porta do quartinho, a gente abria o tão bem zelado quarto onde se viam bolas, redes e um grande número de troféu cujas datas se podia ver eram anos de conquistas
O cuidado que se tinha com aquelas chaves era grande e a responsabilidade era de todos nós, por esse motivo eram guardadas em local seguro para depois de terminar nossa brincadeira, todos juntos ir entregar de volta à Dona Nair.
Consegues imaginar o caro leitor, a alegria de nós meninos ainda, termos um verdadeiro estádio como era o nosso RCA, todinho para nós naquele momento? Nós não poderíamos ter sido mais felizes do que fomos, em nenhum outro tempo e lugar. São anos de ouro que vivemos sem nos dar conta de que vivemos a felicidade, no sentido mais puro e pleno dela.
Vou tentar lembrar de alguns nomes dos meus amigos dessa preciosa época, em que o Brasil disputou e ganhou a final de Copa do Mundo no México, mas no nosso estádio, quando estávamos em campo, mesmo sem torcida, era como se fizéssemos parte da Seleção Brasileira: Jacques Armando Amaral, Victor Francisco Rui, Paulinho Cerezer, Luís Paulo Piazentin, Nivaldo Bragion, Marquinho Bedendi, Eduardo Castelo, Tadeu Benedito, Adalberto Aparecido Andrello, Osmir Quagliato, Fernandes Fornaziero, Mário Severino da Silva, Laércio Cavallari, Sérgio Luis Lucas, José Donizete Justti, Carlos Alberto Rello, Carlão Albiero (Japão), Adalberto Aparecido Abel, Orlando Menardo, entre outros que se porventura não mencionei foi por falha de minha memória.
Ao escrever sobre esses dias que foram os melhores de minha vida, parece-me estar lá em nosso estádio do RCA, todos cheios de sonhos, de vida e de muita alegria, ao ponto de qualquer acontecimento por mais banal que fosse, era motivo para uma imensa gargalhada — essa risada espontânea que só se escuta até os doze, treze anos. Depois, somente resta o eco das nossos gritos e risadas em nossas memórias, de um tempo inesquecível no qual se vive a magia da adolescência e cuja passagem para a vida adulta, apaga todo o nosso brilho e tira a pureza do despontar da vida de nossos corações e nos torna sisudos e silenciosos. Assim é a vida…