Rafard

Ministério Público denuncia irregularidades em contratação de professores na gestão 2005-2008

A reportagem do jornal O Semanário Regional teve acesso na última semana, à sentença da Ação Civil Pública contra o ex-prefeito Vicente Sampaio de Almeida Prado Júnior, investigada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Capivari.
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa contra Dr. Vicente, alegando, em síntese, que ao longo da gestão 2005-2008, efetuou atos de admissão de pessoal por contratos temporários, para as funções de professor, em desacordo com o ordenamento vigente.
Segundo o MP, a conduta do ex-prefeito feriu os princípios da legalidade e da moralidade. Por sua vez, o Ministério Público pede a declaração da nulidade dos contratos temporários firmados pelo Município de Rafard nos anos de 2005 a 2008; a condenação do ex-prefeito; o ressarcimento integral do dano, equivalente aos valores pagos aos contratados irregularmente, com juros e correção monetária; a perda da função pública; a suspensão dos direitos políticos por cinco anos; o pagamento de multa civil; a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
Em 02 de outubro de 2013, o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Capivari, Dr. Cleber de Oliveira Sanches concluiu os autos e decidiu pela aplicação de multa civil de vinte vezes a remuneração percebida pelo agente; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos; suspensão dos direitos políticos, por cinco anos.
A defesa preliminar do ex-prefeito foi rejeitada. Dr. Vicente contesta a ação e afirma que não houve ilegalidade nas contratações, pois estas foram realizadas com fundamento em leis municipais específicas, que autorizam a admissão de pessoal por prazo determinado para atendimento de situação de excepcional interesse público, precedida de processo seletivo.
Ele informou ainda que as contratações foram fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que as considerou regulares, que não praticou ato de improbidade administrativa e que todos os princípios da administração pública foram respeitados.
Em sua decisão, o juiz Dr. Cléber cita que “é incontroverso que o réu Vicente Sampaio de Almeida Prado Júnior, na qualidade de prefeito do Município de Rafard, admitiu sem concurso público, nos anos de 2005 a 2008, nada menos do que sessenta pessoas para o desempenho da função de professor. Esses contratos foram celebrados por tempo determinado, com base na Lei Complementar Municipal nº 96/2003 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Rafard) e na Lei Complementar Municipal nº 70/1999 (Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público Municipal). Tais admissões, como se verá a seguir, não observaram os princípios que regem a administração pública. Convém esclarecer, porém, com anterioridade a essa questão central, que a aprovação das contas do prefeito de Rafard pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não assume especial relevância para o deslinde do feito, pois a atuação da corte fiscalizadora, no tocante à análise dessas contratações, cingiu-se apenas à esfera de sua competência (cf. art. 2º, V, da Lei Complementar Estadual nº 709/93), isto é, à verificação da regularidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, para fins de registro. Isso não impede, obviamente, que a questão seja apreciada por outro prisma, o da probidade administrativa, como se faz nesta demanda.”
Na sentença Dr. Cléber frisa que “a administração não demonstrou boa vontade em solucionar o problema da falta de servidores. Como alertou o percuciente Promotor de Justiça à fl. 9, o concurso realizado em 2007, que visava ao preenchimento de vinte cargos de professor PEB I (fls. 252/259), resultou na convocação de somente oito dos aprovados, quando havia pelo menos uma centena deles à disposição do município (fls. 394/396).”
“Não resta dúvida, portanto, que o réu fez opção pelos professores temporários, contratados mediante simples processo seletivo e com vínculo precário com a Administração, afastando-se desse modo, voluntariamente, dos preceitos constitucionais e legais, que prestigiam o concurso público de provas ou de provas e títulos como único como meio de ingresso ao serviço público efetivo. Na feliz definição do douto representante do Ministério Público, formou-se “corpo paralelo de professores”, em detrimento do preenchimento dos cargos efetivos (fl. 11). Não se olvide que essa opção foi extremamente prejudicial à educação, pois a qualidade do ensino público, defendida pelo réu às fls. 1.017/1.019, só é alcançada prestigiando-se a qualificação dos servidores efetivos, cujo vínculo permanente e estável com a administração gera, como corolário, comprometimento com o projeto pedagógico e educacional do município.Manifesta, pois, a ilegalidade dos atos praticados pelo réu. Convém lembrar que um dos aspectos do princípio da legalidade resulta em outro princípio, o da finalidade administrativa, que pode ser resumido no seguinte: o ato administrativo deve atender o seu fim legal, isto é, o fim submetido à lei. E só será válido se o administrador público o praticar com a finalidade prevista pelo legislador; caso contrário, o que se tem é desvio de finalidade e abuso de poder. Inegável, também, que o prefeito, ao contratar livremente servidores não selecionados nos termos da lei, para funções que não se enquadravam no permissivo constitucional, incidiu em ato de improbidade administrativa, caracterizado pela violação dos deveres de imparcialidade, impessoalidade e legalidade (Lei nº 8.429/92, art. 11)”, relatou o juíz.
De acordo com ele, “é caso de rejeição, porém, da pretensão do Ministério Público no sentido da responsabilização do réu pelo ressarcimento dos valores pagos aos servidores temporários. Isso porque não há nos autos prova de prejuízo ao erário e de proveito patrimonial obtido pelo agente. Os servidores admitidos irregularmente, presumivelmente de boa-fé, efetivamente prestaram serviços ao Município, fazendo jus à remuneração que receberam. E se houve efetiva prestação dos serviços, não se pode falar em dano aos cofres públicos, pois este, diante do que acima se considerou, não existiu. O Município recebeu a mão-de-obra dos funcionários, pagando-lhes a remuneração prevista em lei. Não sofreu, portanto, nenhum prejuízo de natureza econômica. Não há, pois, o que ressarcir.”
Ante o exposto, Dr. Cleber julgou parcialmente procedente a ação movida pelo Ministério Público contra Vicente Sampaio de Almeida Prado Júnior, declarando-o como incurso no art. 11 da Lei nº 8.429/92 e considerando a gravidade do fato, aplicando-lhe, com fundamento no art. 12, inciso III, do mencionado diploma legal, as penas de: a) multa civil de vinte vezes a remuneração percebida pelo agente; b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos; c) suspensão dos direitos políticos, por cinco anos.
No final da sentença, o juíz destacou ainda que a irregularidade constatada neste processo também foi verificada nas gestões 2001/2004 e 2009/2012.

Confira na íntegra a sentença proferida:

CONCLUSÃO
Em 02 de outubro de 2013, faço conclusão destes autos ao MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Capivari, Dr. Cleber de Oliveira Sanches.

Publicidade

SENTENÇA
Processo nº: 0003191-86.2011.8.26.0125
Classe – Assunto Ação Civil Pública
Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo e outro
Requerido: Vicente Sampaio de Almeida Prado Júnior
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Cleber de Oliveira Sanches

Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa contra VICENTE SAMPAIO DE ALMEIDA PRADO JÚNIOR, alegando, em síntese, que: o réu exerceu o mandato de prefeito do Município de Rafard; nessa condição, ao longo da gestão 2005-2008, efetuou atos de admissão de pessoal por contratos temporários, para as funções de professor, em desacordo com o ordenamento vigente. Argumenta que a conduta do réu feriu os princípios da legalidade e da moralidade e pede: 1) a declaração da nulidade dos contratos temporários firmados pelo Município de Rafard nos anos de 2005 a 2008; 2) a condenação do réu: a) ao ressarcimento integral do dano, equivalente aos valores pagos aos contratados irregularmente, com juros e correção monetária; b) à perda da função pública; c) à suspensão dos direitos políticos por cinco anos; d) ao pagamento de multa civil; e) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos. A petição inicial veio acompanhada do inquérito civil (fls. 21/440).
O réu foi notificado e apresentou defesa preliminar (fls. 462/543), rejeitada pela decisão de fl. 548. Citado, o requerido ofertou contestação. Afirma que não houve ilegalidade nas contratações, pois estas foram realizadas com fundamento em leis municipais específicas, que autorizam a admissão de pessoal por prazo determinado para atendimento de situação de excepcional interesse público, precedida de processo seletivo.
Informa que as contratações foram fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que as considerou regulares. Afirma que não praticou ato de improbidade administrativa, argumentando que todos os princípios da administração pública foram respeitados. Nega a existência de dolo. Assevera, por fim, que não ocorreu prejuízo ao erário, uma vez que os serviços foram efetivamente prestados pelos contratados (fls. 1.015/1.050).
Réplica às fls. 1.057/1.058.
O Município de Rafard requereu sua inclusão no polo ativo da ação, nos termos do art. 17, § 3º, da Lei nº 8.492/92 (fl. 1.010), tendo sido admitido pela decisão de fl. 1.059, que saneou o feito.
É o relatório.
Decido.
Comporta a lide julgamento no estado atual, porquanto desnecessária a produção de prova em audiência. As questões controvertidas de fato estão devidamente esclarecidas pelas provas documentais coligidas nos autos.
Antes de adentrar o mérito da ação, cumpre delimitar a atuação do Juízo, que se prenderá apenas à questão atinente ao suposto ato de improbidade administrativa praticado pelo prefeito. No tocante à invalidade dos atos de admissão dos servidores contratados temporariamente, tem-se, a nosso sentir, a impossibilidade de pronunciamento judicial neste feito, uma vez que as partes que figuram nos contratos impugnados não integram a lide.
Feita a ressalva, passo ao julgamento da questão de fundo, já adiantando que a pretensão manifestada pelo Ministério Público procede em parte.
É incontroverso que o réu Vicente Sampaio de Almeida Prado Júnior, na qualidade de prefeito do Município de Rafard, admitiu sem concurso público, nos anos de 2005 a 2008, nada menos do que sessenta pessoas, entre elas Joceneia Dias, Karen Keyty Tomazini, Eliana J. V. Costa Chiarini, Merandolina P. J. Felipe, Sirlei Aparecida de Almeida, Sandra Adriana Alcade, Juliana Martins de Godoy, Luciana Regina Fernandes, Maria Lucia M. C. Bresciani, Nadia Cristina Bitti Sanchez, Luzia Paula Silva Butignon e Araceli Isabel Wolf, para o desempenho da função de professor (fls. 32/34).
Esses contratos foram celebrados por tempo determinado, com base na Lei Complementar Municipal nº 96/2003 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Rafard) e na Lei Complementar Municipal nº 70/1999 (Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público Municipal).
Tais admissões, como se verá a seguir, não observaram os princípios que regem a administração pública.
Convém esclarecer, porém, com anterioridade a essa questão central, que a aprovação das contas do prefeito de Rafard pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não assume especial relevância para o deslinde do feito, pois a atuação da corte fiscalizadora, no tocante à análise dessas contratações, cingiu-se apenas à esfera de sua competência (cf. art. 2º, V, da Lei Complementar Estadual nº 709/93), isto é, à verificação da regularidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, para fins de registro.
Isso não impede, obviamente, que a questão seja apreciada por outro prisma, o da probidade administrativa, como se faz nesta demanda. Não se olvide que a própria Lei nº 8.429/92 destaca a independência da aplicação das sanções nela previstas em relação à decisão do Tribunal de Contas, seja esta de aprovação ou de rejeição das contas (art. 21, inciso II). E a competência para tanto, ao contrário do que sustentado às fls. 463/469, é do Poder Judiciário. Ficam rejeitadas, destarte, as preliminares arguidas pelo réu na defesa de fls. 462/496 e reiteradas na contestação.
Pois bem. Retomando o assunto principal, impende destacar que, em face dos elementos de convicção trazidos aos autos, não resta dúvida de que os atos praticados pelo réu, relacionados à admissão de servidores temporários, deixaram a desejar no que concerne aos quesitos legalidade e moralidade.
Seria até desnecessário recordar que a regra instituída pela Constituição Federal para a acessibilidade aos cargos públicos é a submissão dos interessados a concurso de provas ou de provas e títulos, modelo que propicia a todos os brasileiros, em condições de igualdade, a oportunidade de participar do serviço público (CF, art. 37, I e II, primeira parte).
As exceções, também previstas constitucionalmente (e por isso o rol não é passível de ampliação pelo legislador ordinário), dizem respeito aos cargos de provimento em comissão, que são de livre nomeação e exoneração (segunda parte do inciso II) e aos casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF, art. 37, inciso IX). Registre-se que, nesta última hipótese, o administrador está vinculado estritamente às hipóteses previamente estabelecidas na lei, não podendo ampliá-las ou observá-las parcialmente.
Como leciona Hely Lopes Meirelles:
“A contratação só pode ser por tempo determinado e com a finalidade de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Não pode envolver cargos típicos de carreira. Fora daí tal contratação tende a contornar a exigência do concurso público, caracterizando fraude à Constituição”1
No âmbito municipal, a legislação também é clara a respeito.
A Lei Orgânica do Município de Rafard, no art. 109, dispõe que “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão declarados em lei, de livre nomeação e exoneração (…).”
A lei máxima de Rafard estabelece, ainda, no tocante à contratação por tempo determinado:
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 15ª ed., 2007, p. 584.
“Art. 110 A Lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.”
O art. 253 da Lei Complementar nº 96/2003, que instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Rafard, descreve as atividades que podem estar relacionadas a “necessidades temporárias de excepcional interesse público”.
São aquelas que visem a:
“I Combater surtos e epidemias; II Atender a situações de calamidade pública; III Construção ou conclusão de obras ou projetos imprescindíveis à implantação de programas urgentes e inadiáveis, nas áreas da saúde, educação, transporte ou segurança, além de outros devidamente justificados; IV permitir a execução de serviço profissional de notória especialização.” (fl. 343).
Nenhuma dessas hipóteses autoriza a contratação de professores temporários. Nem mesmo a prevista no inciso III, que, a despeito de mencionar a “área da educação”, tem aplicação restrita à “construção ou conclusão de obras ou projetos”. Não é o caso dos autos.
Mesmo que se admitisse a admissão de professores temporários com fundamento no inciso III, haveria de ser observada, como advertiu o representante do Ministério Público, as reservas contidas no parágrafo primeiro, inciso II, do mesmo dispositivo, que estabelece o prazo máximo de doze meses para a contratação e veda a prorrogação (fl. 343).
E, mais à frente, o art. 254 do Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Rafard proíbe expressamente a recontratação do servidor temporário, “sob pena de nulidade do contrato e responsabilidade administrativa e civil da autoridade contratante” (fl. 344).
Por seu turno, a Lei Complementar nº 70/99, que instituiu o Plano de Carreira e de Remuneração do Magistério Público Municipal, regulamenta a admissão de servidor temporário no âmbito do magistério.
O art. 34 desse diploma ecoa a regra, segundo a qual a contratação de pessoal por tempo determinado só estará autorizada “para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público” (fl. 364).
E o art. 35 especifica as hipóteses e o modo dessa contratação:
“Artigo 35. Consideram-se, como de necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visem suprir a falta de docentes habilitados para regência de classe e/ou aulas, durante o período letivo.
Parágrafo 1º – As contratações de que trata este artigo não poderão ultrapassar o prazo máximo de 03 (três) meses, podendo esse prazo ser prorrogado em até 03 (três) vezes.
Parágrafo 2º – O recrutamento será mediante critérios definidos em regulamento” (fl. 364, grifei).
Basta o simples exame da prova documental existente nos autos para que se constate que essas normas foram ignoradas pelo réu.
As pessoas citadas na petição inicial, como evidencia o quadro de fl. 7, foram recontratadas após o término do primeiro contrato ou da última prorrogação, o que é expressamente vedado pela legislação do Município de Rafard. Não socorre a defesa a circunstância de essa recontratação ter se dado em exercício posterior, pois a lei não contém essa ressalva. Algumas das contratadas, ademais, foram readmitidas em mais de uma oportunidade. É o caso de Joceneia Dias, Karen Keyty Tomazini e Sandra Adriana Alcade.
O prazo máximo de contratação, que é de doze meses (ainda que se considere a possibilidade de três prorrogações, consoante a regra do art. 35, § 1º, da Lei Complementar 70/1999), foi ultrapassado em todos os casos, à exceção do contrato celebrado com a professora Sirlei Aparecida de Almeida, que atuou por período de apenas seis meses (fls. 7/8).
Mas vou além, para estender a conclusão de ilegalidade a todas as sessenta contratações mencionadas no documento de fls. 32/34.
O réu alega que a admissão temporária era imperiosa pelas seguintes razões: todos os cargos de professor criados por lei estavam ocupados; não obstante, alguns dos titulares estavam licenciados por diversos motivos (saúde, gestação, férias, licença-prêmio etc.), ou, ainda, exercendo funções de confiança dentro da própria Secretaria de Educação, mas mantinham o vínculo com a administração; as escolas municipais precisavam de professores e a criação de novos cargos, por lei, se mostrava, além de demorada, custosa, pois os servidores que viessem a ocupá-los tornar-se-iam ociosos após o retorno daqueles que estavam afastados; a contratação temporária, portanto, teria solucionado a questão com economia para os cofres públicos, fornecendo a mão-deobra necessária naquele exato momento, sem despesas adicionais futuras para o erário.
O raciocínio está correto, mas se baseia em premissas falsas.
Com efeito. Não se comprovou que essas admissões foram antecedidas da imprescindível justificativa, em despacho fundamentado, da “necessidade temporária de excepcional interesse público.”
Tampouco se demonstrou que a contratação dos professores foi motivada por situação emergencial e transitória. A menção genérica à “necessidade de substituir os professores afastados do Sistema Municipal de Ensino” não constitui justificativa plausível, porque nem sempre essa necessidade (que existe, não se nega) é temporária, urgente e imprevisível.
Anote-se que o afastamento de docentes para o exercício de funções de diretoria, coordenação, supervisão e outras relacionadas à própria atividade de educação nem de longe pode ser considerado fato apto a justificar a contratação temporária. Esse deslocamento de função é previsível, inerente à própria carreira do magistério. O cálculo do número de profissionais do quadro leva em conta (ou deveria levar), obviamente, essa movimentação dentro da carreira.
De igual modo, não justifica as contratações emergenciais a existência de docentes readaptados, tampouco eventual municipalização de escolas de ensino fundamental. Ambas as situações, cada uma a seu modo, são precedidas de processos que consomem tempo considerável. Não há nesses fatos surpresa para o administrador que justifique as contratações temporárias aqui apreciadas, as quais foram renovadas ou repetidas por anos a fio, sem a necessária adequação do quadro de servidores efetivos, como exigia a Constituição Federal e a legislação do município.
Quanto à substituição de profissionais licenciados por motivos de saúde ou outros previstos no estatuto dos servidores, basta a comparação entre o número de profissionais temporários contratados naqueles anos (sete em 2005, dezesseis em 2006, vinte e um em 2007 e dezesseis em 2008, fls. 32/34), os afastamentos dessa natureza referidos às fls. 1.074/1.077 e o exíguo quadro de professores efetivos do Município de Rafard para que se conclua pela impossibilidade de terem sido os temporários contratados para essa finalidade.
Eis os dados fornecidos pelo Município:
2005 50 cargos, 44 providos;
2006 50 cargos, 42 providos;
2007 70 cargos, 36 providos;
2008 70 cargos, 42 providos (fl. 1.073 e seguintes).
Considere-se, ademais, que a assertiva feita pelo réu, de que todos os cargos efetivos estavam providos por ocasião das admissões temporárias (fl. 1.030), restou desmentida pelas informações prestadas pelo Município. Os números acima citados comprovam que não estavam. Tomemos, a título de exemplo, o ano de 2007, em que quase a metade dos cargos de professor estava sem titular (34 vagos de 70 previstos em lei).
E a administração não demonstrou boa vontade em solucionar o problema da falta de servidores. Como alertou o percuciente Promotor de Justiça à fl. 9, o concurso realizado em 2007, que visava ao preenchimento de vinte cargos de professor PEB I (fls. 252/259), resultou na convocação de somente oito dos aprovados, quando havia pelo menos uma centena deles à disposição do município (fls. 394/396).
Leve-se em conta, também, o esclarecimento trazido aos autos pela prefeitura de Rafard, dando conta de que “é possível a utilização do próprio corpo estável para suprir a lacuna de servidores”, mediante a designação de um professor efetivo para substituir o faltante, em regime extraordinário, e que somente no caso de não existirem professores efetivos interessados nessa cumulação, é que são convocados servidores temporários (fl. 1.071).
Não resta dúvida, portanto, que o réu fez opção pelos professores temporários, contratados mediante simples processo seletivo e com vínculo precário com a Administração, afastando-se desse modo, voluntariamente, dos preceitos constitucionais e legais, que prestigiam o concurso público de provas ou de provas e títulos como único como meio de ingresso ao serviço público efetivo. Na feliz definição do douto representante do Ministério Público, formou-se “corpo paralelo de professores”, em detrimento do preenchimento dos cargos efetivos (fl. 11).
Não se olvide que essa opção foi extremamente prejudicial à educação, pois a qualidade do ensino público, defendida pelo réu às fls. 1.017/1.019, só é alcançada prestigiando-se a qualificação dos servidores efetivos, cujo vínculo permanente e estável com a administração gera, como corolário, comprometimento com o projeto pedagógico e educacional do município.
Manifesta, pois, a ilegalidade dos atos praticados pelo réu.
Convém lembrar que um dos aspectos do princípio da legalidade resulta em outro princípio, o da finalidade administrativa, que pode ser resumido no seguinte: o ato administrativo deve atender o seu fim legal, isto é, o fim submetido à lei. E só será válido se o administrador público o praticar com a finalidade prevista pelo legislador; caso contrário, o que se tem é desvio de finalidade e abuso de poder.2
Inegável, também, que o prefeito, ao contratar livremente servidores não selecionados nos termos da lei, para funções que não se enquadravam no permissivo constitucional, incidiu em ato de improbidade administrativa, caracterizado pela violação dos deveres de imparcialidade, impessoalidade e legalidade (Lei nº 8.429/92, art. 11).
De rigor, pois, a procedência da ação nesse ponto.
É caso de rejeição, porém, da pretensão do Ministério Público no sentido da responsabilização do réu pelo ressarcimento dos valores pagos aos servidores temporários. Isso porque não há nos autos prova de prejuízo ao erário e de proveito patrimonial obtido pelo agente. Os servidores admitidos irregularmente, presumivelmente de boa-fé, efetivamente prestaram serviços ao Município, fazendo jus à remuneração que receberam. E se houve efetiva prestação dos serviços, não se pode falar em dano aos cofres públicos, pois este, diante do que acima se considerou, não existiu. O Município recebeu a mão-de-obra dos funcionários, pagando-lhes a remuneração prevista em lei. Não sofreu, portanto, nenhum prejuízo de natureza econômica. Não há, pois, o que ressarcir. Relembre-se apenas que a ausência de efetivo dano ao patrimônio público não constitui causa de elisão das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 (art. 21).
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra VICENTE SAMPAIO DE ALMEIDA PRADO JÚNIOR, para, declarando-o como incurso no art. 11 da Lei nº 8.429/92 e considerando a gravidade do fato, aplicar-lhe, com fundamento no art. 12, inciso III, do mencionado diploma legal, as penas de: a) multa civil de vinte vezes a remuneração percebida pelo agente; b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos; c) suspensão dos direitos políticos, por cinco anos.
Pelo princípio da causalidade, responderá o réu pelo pagamento das custas e despesas processuais. Incabível a fixação de honorários, pois vedado ao Ministério Público recebê-los.
Diante da denúncia de que a irregularidade constatada nestes autos também se verificou nas gestões 2001/2004 e 2009/2012 (fls. 1.186/1.187), ciência ao Ministério Público, para as providências que entender pertinentes.
P.R.I.
Capivari, 8 de outubro de 2013.
CLEBER DE OLIVEIRA SANCHES
Juiz de Direito

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo