E lá vou eu de novo, me enfiar no túnel enevoado do tempo, onde estão guardadas as memórias dos melhores dias de minha existência, como um viciado incorrigível. Que fazer, se é minha sina escrever sobre o passado.
Dizem alguns incautos que quem vive de passado é museu! Pois, então que seja! Devo ser um museu ambulante e sou orgulhoso se o sê-lo, pois que fazer se tudo isso é inerente ao meu ser, ao meu espírito, à minha alma?
Digo-vos que gosto muitíssimo de tudo isso, pois me aquece o coração, faz minha alma leve…
Lembro daqueles dias, os quais trago vivos na memória, imagens nítidas de quando ainda no bairro dos Padovani as ruas eram todas de terra, e, eu juntamente com meus amigos, na época das nossas férias escolares, íamos de bicicleta pelas estradas do bairro do Paulino Galvão, e não raro topávamos com uma “boiada” sendo conduzida por Pedro Stefani, João Moreira e outros que o ajudavam no controle das reses.
Mais que depressa a gente largava encostada a bicicleta e subia num barranco para poder ver a boiada passar.
Os moradores do nosso bairro saiam às janelas para ver o que estava ocorrendo.
O lugar estratégico para nós crianças ficar a salvo dos bois, era um barranco que ficava no quintal do Luiz Ferro.
Os meus vizinhos de casa, Décio, Lézia e Dete, também corriam nas janelas, tal era o barulho que se fazia, quando misturava o mugido dos gados, os gritos dos peões e a gritaria da criançada que curiosos acompanhavam o gado até sumir na estrada.
A casa em que eu morava, ficava na rua Castro Alves, era a de número 40. Tinha um quintal enorme que para um menino da minha idade, era uma imensidão para ser explorado. Tinha uma horta e pomar, enormes e bem cuidados por todos da família. Até mesmo uma parreira de uvas brancas e também rosadas, que carregava de cachos nesta época do ano.
Quando caia a noite, já cansado das traquinagens do dia, o meu programa preferido, era ir assistir “A praça é nossa” na casa do meu inseparável amigo Cláudio Castro, filho do Zé Castro que tinha um bar na esquina vizinha da sua casa. Quando eles saiam para algum compromisso, eu corria para a casa da Dona Judite do Sr. Oscar. E assim, menino, eu alternava de casa em casa para poder ter alguma fonte de divertimento, pois na minha casa somente tínhamos o rádio.
Tinha um amigo nosso, que a gente chamava ele de “Chiquinho do Isaias” que muito criativo, nos proporcionava algum lazer, com um “cineminha” tosco, mas muito original, no qual com muita paciência ele recortava figuras de velhos gibis e colava num pano branco e acendia uma vela para iluminar as figuras que ele ia passando bem devagar, dando movimento a elas para todos poderem ver, enquanto ele interpretava as falas dos personagens.
A plateia formada apenas por meninos em número de uns doze, era animada. As estórias eram quase sempre de terror ou cowboy e no final sempre era anunciado os próximos episódios do dia seguinte, e, os moleques, com os olhos brilhantes, se perdiam na fantasia dos próximos capítulos…
Infelizmente nosso amigo querido, o Chiquinho se foi muito cedo, assim como muitos que frequentavam o cineminha, como nosso querido João Castro, irmão do Cláudio.
Hoje tudo isso são apenas lembranças de um tempo em que dinheiro algum poderia jamais comprar os prazeres da boa convivência e imaginação sem limites que se possuía numa época de poucos recursos.
Vencidos pelo cansado das atividades do dia, dormíamos muito cedo, pois a noite era sagrada para o descanso, mas logo que o galo cantava pela manhã, éramos chamados para um novo dia, convidados para um novo sonho de criança!