É só começar a perguntar, e logo aparece alguém que já ouviu falar de uma história assombrada, com criaturas estranhas, que sempre aparecem à noite e que vieram, com certeza, lá do além.
Estas narrativas, cheias de terror e imaginação, fazem parte do Folclore Brasileiro, e são as chamadas lendas urbanas. São histórias como a da noiva do banheiro, a loira da estrada, o homem do saco – que levava as crianças -, ou o famoso e temido chupa-cabra, que fez tanto sucesso em Rafard, Capivari e região, ali no final da década de 90.
O dia do Folclore Brasileiro é comemorado no próximo domingo, 22 de agosto, e estas lendas urbanas são classificadas como o Folclore Moderno, típico dos centros urbanos.
Os historiadores explicam, que as Lendas Urbanas são histórias da cultura popular que saíram do campo e migraram para a cidade. No âmbito urbano, estas histórias passam por transformações e são vestidas de um novo contexto.
“São os mesmos mitos do folclore tradicional, só que com uma nova roupagem. Estas histórias ficam gravadas no imaginário popular e vão sendo reformuladas, a fim de se manterem sempre atuais, e retransmitidas de geração em geração”, explica a professora Rita de Cássia Martins, formada em história e ciências sociais/sociologia pela UNICAMP.
Segundo as explicações da professora Rita, que ministra aulas de História na Escola Estadual Profª Jeni Appilante, em Rafard, a maioria desses contos podem ter sido baseadas em fatos reais, mas com o tempo, foram sendo distorcidos e recontados, até que se tornassem algo improvável, sobrenatural e assustador.
Enquanto as lendas tradicionais são contadas a partir da história do campo, as lendas urbanas acontecem na cidade, geralmente nos espaços públicos, como no banheiro, nas escolas, nas estradas, becos, ruas desertas, entre outros, e sempre são relatos que acontecem à noite, para dar um tom todo sobrenatural.
Neste universo entre a ilusão e o real, têm aquelas lendas que parecem mesmo verdade, e que causam tanta repercussão, que chegam a assustar. Exemplo disso, foi o chupa-cabra, que rendeu muitas histórias em Rafard, com direito a reportagens, cartas dos leitores e desenhos com a descrição do “bicho”, que era visto no mato e atacava animais nas pequenas propriedades.
“Existem lendas que transitam com tanta força entre o limite do ilusório e do real, que parecem mesmo verdade, como foi o chupa-cabra. Muitas destas lendas, dão origem a verdadeiras teorias conspiratórias”, comenta a professora Rita.
Com tantas lendas, é claro que existe uma só de Rafard. É a história da moça vestida de branco, que aparecia na avenida São Bernardo, como recorda a professora Rita, que já ouviu este relato de moradores mais antigos.
“É o caso da moça da paineira da avenida São Bernardo. O que contavam, não recordo muito bem ao certo, é que ela iria se casar e o noivo a abandonou às vésperas. Então a moça, desiludida e vestida de branco, se enforcou na paineira da avenida São Bernardo. A árvore já foi derrubada, ficava perto do ginásio de esportes, e têm pessoas na cidade que dizem que viu, e podem contar melhor essa história”.
A loira do banheiro da Escola Padre Fabiano
“Se eu tinha medo? Claro que tinha, e se fosse mesmo a loira do banheiro que ia aparecer ali”, conta Keli Cristina Marini, 43 anos, formada em Magistério, na Escola Estadual Padre Fabiano.
Entre 1993 até 1998, quando Keli estudava de manhã e à noite, no Magistério e no Colegial, da Escola Estadual Padre Fabiano, em Capivari, ela recorda que a grande maioria das meninas do noturno tinham medo da “loira do banheiro”.
Ir ao banheiro no período noturno era coisa rara e assustadora para as meninas. As colegas de classe esperavam o intervalo para irem juntas, como se pudessem proteger umas às outras do fantasma da loira.
De acordo com os relatos de Keli, uma lenda urbana, como a “loira do banheiro, ou a noiva do banheiro”, encontrava no prédio da Escola Padre Fabiano, um ambiente propício, que até justifica um certo terror.
“O padre Fabiano, patrono da escola, foi um padre que, segundo contavam, liderou a construção do primeiro cemitério em Capivari, e este cemitério tinha sido construído ali, onde hoje é a Escola Padre Fabiano. Com tudo isso, dá ou não dá medo de encontrar a loira do banheiro”, conta ela, ao se divertir com as memórias daquele tempo.
Verdade, boato ou apenas uma lenda, não se sabe. O que Keli não se esquece é que toda vez que alguém ia ao banheiro, à noite, sempre tinha um ou outro que fazia questão de lembrar. “Cuidado com a loira do banheiro, aí que medo”, diz ela.
O famoso chupa-cabra
O subtenente da Polícia Militar, Villas Bôas, está aposentado há seis anos. Foram 30 anos de trabalho na PM, sendo 21 deles só em Rafard.
Neste tempo, Villas Bôas conta que numa certa manhã, no ano de 1997, ele foi chamado para atender uma ocorrência, no mínimo intrigante.
“Era um curral pequeno, numa propriedade em Rafard, e os animais estavam num canto, acuados de medo. Ali no meio tinha um bezerro morto, sem os olhos, com as orelhas cortadas, três furos no abdômen e nenhum sinal de sangue, nem no animal e muito menos no entorno do chão”, detalha o policial. Esse era o começo da história do chupa-cabra em Rafard.
Sem nunca ter visto nada igual, o subtenente da PM afirma que, na época, ficou impressionado. “Foi um dos primeiros casos das histórias do chupa-cabra. Isso já fazem mais de 20 anos, e nunca vi nada igual, confesso que, na época, fiquei um pouco impressionado”, diz ele.
No mesmo dia, como conta Villas Bôas, o dono da propriedade, um senhor já idoso que tinha perdido a esposa há pouco tempo, decidiu deixar a casa e os animais que restaram, e se mudou da cidade, acompanhado do filho.
Depois deste fato, que não foi elucidado na época, e não teve registro de boletim de ocorrência, por decisão do morador, muitos outros relatos dos ataques do chupa-cabra começaram a surgir.
“Foram muitas as histórias, não tão impressionantes como aquela, mas muitos moradores nos procuravam para relatar os ataques do chupa-cabra”, conta o subtenente.
A história do chupa-cabra tomou proporções gigantescas. Teve morador que chegou a levar animais mortos e mutilados na base da Polícia Militar de Rafard, alegando ataques do bicho desconhecido. Em muitos casos, Villas Bôas afirma que eram situações evidentes, em que os próprios moradores manipulavam os fatos.
“Eram tantas histórias, mas em muitas nós percebíamos que era algo da imaginação ou fatos criados pelas pessoas para tentar provar que era um ataque do chupa-cabra. Na verdade, em nenhuma destas ocorrências, nós nunca nos encontramos de fato com ele [chupa-cabra]”, recorda com humor Villas Bôas, que tem respeito pelas histórias contadas pelos moradores, mas que na sua opinião pessoal, o tal chupa-cabra nunca existiu.