Opinião

Invenções para fechar a conta

Marcos Cintra é professor titular de Economia na FGV (Foto: Arquivo pessoal)

Artigo | Por Marcos Cintra*

O regime de superávit primário foi um avanço para a gestão macroeconômica brasileira. Adotado em 1999, o sistema contribuiu para impor um princípio fundamental no trato do dinheiro público que é a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, o controle da dívida pública e a redução do risco Brasil apurado pelas agências internacionais.

Esse pilar da política macro brasileira, fundamento de peso relevante para o forte crescimento econômico entre 2004 e 2008, começou a ser destruído em 2009 quando os gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) puderam ser excluídos da apuração do saldo fiscal. Queira ou não, essa é uma despesa pública e como tal deveria ser considerada no cálculo do resultado.

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A retirada dos gastos do PAC foi só o começo do que se convencionou chamar de contabilidade criativa. As manobras orçamentárias para produzir os números que o governo desejava foram pródigas mais recentemente e contemplaram medidas como a antecipação de dividendos de estatais, rubrica que envolveu triangulações entre bancos públicos e o Tesouro, e a obtenção de receitas extraordinárias, recursos que entram no caixa em um período e que não se repete depois. Além disso, as manipulações envolveram alterações de regras inicialmente definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), como redução da meta e a desobrigação da União em compensar a meta não alcançada por estados e municípios. Por fim, há ocorrências como o abatimento de desonerações tributárias, renegociação de dívidas tributárias e postergação de despesas.

Nesse cenário marcado por mexidas casuísticas nas regras envolvendo as contas públicas, o governo acaba de anunciar o resultado primário em 2013. Divulgou que a “meta” de R$ 73 bilhões foi cumprida.

O superávit de R$ 75 bilhões, que era de R$ 108 bilhões na LDO para 2013, foi alcançado graças a R$ 35,3 bilhões de receitas extraordinárias geradas pelo Refis (parcelamento de dívidas tributárias) e pelo bônus de assinatura do leilão dos campos de petróleo do pré-sal. Entraram também para os cofres da União mais R$ 15 bilhões referentes a dividendos de estatais. Contribuíram também para o saldo abatimentos de gastos do PAC e de desonerações tributárias.

As “mágicas” orçamentárias do governo estão destruindo a credibilidade fiscal alcançada a duras penas. É necessário voltar a manter uma meta fiscal crível. É preferível o governo definir um superávit primário menor do que insistir em subterfúgios para alcançá-lo. A desconfiança e a incerteza elevam os riscos na economia e contribuem para adiar investimentos.

A frouxidão fiscal e as invenções do governo na apresentação das contas públicas preocupam. Se a irresponsabilidade fiscal continuar dando as cartas os prejuízos serão crescentes para o país em termos de crescimento e estabilidade.

*Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular de Economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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