Maldita chuva, excêntrico cárcere, bendito livro. E assim estava eu a reclamar da vida, trancado na biblioteca municipal depois do expediente, quando percebi que chovia granizo lá fora a tanto tempo que só havia duas hipóteses! Ou o tempo havia parado ou as ruas já estavam cobertas com meio metro de grãos de gelo.
Olhei no relógio grande que pendia sobre minha cabeça e vi que este estava parado. Brinquei comigo.
– É o tempo parou.
Abri o livro e busquei mais um conto.
Acredita em Crianças?
É notória a distancia entre o muito novo e o muito velho, a solidez da idade se opõe à criatividade fantástica, os olhos cansados têm queimados na retina a concreticidade da realidade e suas limitações impossíveis de serem concebidas por uma criança.
Talvez por isso Alberto se mantinha sentado a ouvir a banda municipal, enquanto as crianças se amontoavam nas Janelinhas do coreto gritando:
– Eu vi o monstro!
– Eu vi!
– Aonde!?!
– Ali!
– Eu vi também.
E assim Alberto passava seus domingos a olhar tudo, com sua vigilância despreocupada, dividindo seu tempo e atenção de domingo entre sua finada mulher, na missa matutina, com seu neto, na praça à tarde, e com a solidão, à noite.
Enquanto na praça, embora para lá fosse, quase lá não estava, balançando as velhas pernas, alimentando os pombos com pipoca e sendo embalado pela música, desfocava seus olhos e os deslizava pela memória, para os tempos em que Olívia ainda o acompanhava em suas visitas ao jardim, e quem brincava no coreto não era seu neto, mas sim seu primeiro filho, Hélio.
Só voltou a si com os puxões de seu neto em suas calças, reclamando pelo roubo de seu carrinho pelo monstro.
Alberto ainda não sabia o que lhe incomodava tanto – provavelmente havia esquecido da primeira vez em que ouviu esta frase – e foi interrogar as crianças que estavam com o menino, a brincar junto ao coreto. E todas diziam a mesma historia:
– Não fui eu, tio Alberto! Foi o monstro.
– Foi o monstro!
Ainda achando um absurdo, pediu ao servente, que estava por perto, que lhe abrisse a portinhola do porão do coreto e entrou para desbravar os medos inquietos das crianças que acompanhavam tudo das janelinhas, pelo lado de fora.
Procurou, por alguns minutos, entra as vassouras e baldes, rastelos e foices, cordas e lixos, para cansado partir sem nada encontrar.
Disse para as crianças, antes de sair:
– Vocês viram? Não havia nenhum monstro ali.
Pegou seu neto e foi para casa.
À noite, Alberto sonhou com seu filho desaparecido e lembrou de seu rosto, como há muito tempo não fazia…
Lembrou-se de Helio, no coreto, com outras crianças, e do último dia de seu filho, brincando com seu carrinho e vindo depois a Alberto reclamar que o monstro houvera lhe roubado o brinquedo.
Gabriel Góes, professor de Desenho, Teatro e Poéticas Visuais