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Famílias despejadas da Fazenda Coqueiro vivem em situação precária em escola desativada de Itapeva

13/11/2015

Famílias despejadas da Fazenda Coqueiro vivem em situação precária em escola desativada de Itapeva

Elizângela Maria Santos Gonçalves Silva, de 34 anos, enfrenta as chuvas mesmo dentro da moradia, devido às inúmeras infiltrações no forro
Famílias estão alojadas em escola, na Fazenda Itapeva (Foto: Laila Braghero/O Semanário)
Famílias estão alojadas em escola na Fazenda Itapeva (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

RAFARD – Faz um ano que a profissional autônoma Elizângela Maria Santos Gonçalves Silva, de 34 anos, foi tirada da casa onde vivia na Fazenda Coqueiro e alojada na escola desativada Vinicio Stein de Campos, localizada na Fazenda Itapeva. Ela, o marido e quatro filhos, um deles deficiente, enfrentam as chuvas dentro da moradia como se estivessem ao relento, pois há infiltrações por todo o forro do prédio.

A família de Lia, como é mais conhecida, divide a escola com outras sete pessoas, das quais, cinco são crianças. Três cachorros e quatro passarinhos cantarolando nas gaiolas compõem o cenário de móveis mofados, janelas quebradas e sofás forrados com montes de panos, a fim de disfarçar os estragos causados pela água que vem de cima, alagando os cômodos e deixando rastros difíceis de se apagar – do coração.

“Meu sofá está podre, mas eu não posso jogar, porque não tenho condições de comprar outro. Já perdi quase tudo. Só restou meu caráter e minhas lágrimas”, afirma a moradora. “As telhas estão podres, o forro, a escola toda. Não era nem pra gente estar aqui.” Próximo ao prédio, as antigas casas da colônia, um pouco mais conservadas, servem de alojamentos para outras famílias na mesma situação.

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(Foto: Elizângela Gonçalves Silva/Arquivo pessoal)
A água das chuvas invade o interior do prédio por meio das inúmeras infiltrações no forro (Foto: Elizângela Gonçalves Silva/Arquivo pessoal)

A escola onde Lia mora está dentro dos 17,702 hectares de terras doados em novembro do ano passado pela Radar, gestora de propriedades agrícolas da Cosan, à Prefeitura de Rafard. Em troca, o governo municipal deveria desocupar as casas das fazendas Coqueiro e Leopoldina e auxiliar na construção de moradias em torno da Capela de Itapeva, abrigando assim, 17 famílias despejadas das colônias.

De acordo com a Radar, a Prefeitura de Rafard é a única responsável pela alocação dessas famílias e pelo projeto habitacional em Itapeva desde o momento da assinatura da promessa de doação, que ocorreu há 371 dias. A empresa informou que o poder público anexou ao contrato um documento contendo tudo o que pretende fazer no local, como reforma e construção de casas, transferência de lotes e infraestrutura.

Os moradores da Fazenda São Bernardo, cuja área foi doada na mesma época à organização social Abaçaí Cultura e Arte, também devem ganhar terrenos de 10 x 25 m² em Itapeva. No entanto, as famílias de lá disseram que não vão deixar as casas. “Eles não querem sair, porque aqui não tem lugar nem para colocar a gente que é do Coqueiro e Leopoldina, vai ter para colocar o pessoal de São Bernardo?”

(Foto: Laila Braghero/O Semanário)
Os vidros das janelas laterais estão quebrados (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

“A Prefeitura ficou com a responsabilidade inicial de receber o local com os habitantes da colônia Itapeva, alocar os habitantes de Coqueiro, Leopoldina e São Bernardo, cadastrá-los no Paço Municipal e promover as medidas para abertura da matrícula própria”, informou a Radar. O poder público, por sua vez, disse que nada pode ser feito sem a escritura, que até hoje não foi transferida para o município.

“A Prefeitura Municipal não tem a escritura do terreno, apenas um contrato com a empresa Radar, e não pode realizar manutenções ou reformas em um lugar que não lhe pertence oficialmente”, afirmou. “Após a transferência da escritura do terreno sim, melhorias poderão ser feitas no local e terrenos poderão ser transferidos às famílias.” Segundo a Radar, o processo de doação será concluído até o fim deste ano.

“Até o final de 2015, a escritura e o registro do imóvel serão transferidos definitivamente para a Prefeitura de Rafard, que estará formalmente habilitada para prosseguir com o projeto habitacional que envolve a distribuição de lotes para as famílias que habitaram as colônias em 2014.” Apesar disso, a gestora das terras garantiu que a Prefeitura tem permissão para usar a colônia desde novembro do ano passado.

Lia é uma das 12 pessoas alojadas na antiga escola (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Enquanto nada acontece, Elizângela sobrevive na escola, porque não tem dinheiro para alugar um imóvel ou erguer a casa própria no lote seis, que é o dela. Desde o começo, o governo municipal sugeriu que as moradias fossem construídas em regime de mutirão, com o material que sobrou das casas demolidas. Para Lia, isso também é inviável. “Os tijolos estão pela metade. Só dá para o alicerce.”

De acordo com ela, a meia-dúzia de moradias que está nascendo na Fazenda Itapeva pertence aos fiéis da Congregação Cristã do Brasil, os quais têm recebido ajuda financeira e braçal da própria comunidade religiosa. “Eles dizem que Deus preparou”, conta. “Tem pessoas que guardaram dinheiro e estão construindo, outras têm doação da igreja. Nós temos apenas a madeira da antiga casa, que já está podre.”

Nos fundos da escola há alguns banheiros públicos que hoje são usados pelas famílias que estão nos alojamentos. Com exceção dos banheiros de Lia e da outra família que mora na escola, todos têm cadeado na porta. “A gente não coloca porque seria como se estivéssemos desfazendo das outras pessoas.” Segundo Lia, para lavar a louça, a vizinha usa um tanque ao lado dos banheiros. “Não tem pia na parte dela.”

Moradias estão sendo construídas em regime de mutirão (Foto: Laila Braghero/O Semanário)
Casas estão sendo construídas em regime de mutirão (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Desdobramentos

Depois de saber que o jornal O Semanário publicaria uma matéria sobre a situação das famílias abrigadas na antiga escola, a Prefeitura enviou o diretor de Indústria, Comércio e Habitação, Pablo Panza, e o coordenador da Defesa Civil, Márcio Jacob Hessel, até a fazenda na quinta-feira, 5. À Lia, a dupla disse que voltaria com uma equipe na sexta-feira, 6, para fazer uma vistoria no prédio. Ninguém apareceu.

Em visita ao local na manhã da última segunda-feira, 9, a reportagem deparou com dois funcionários públicos em frente à escola. Um pedreiro mediu as calhas do prédio a mando da Prefeitura, que disse que iria avaliar a possibilidade de trocar todas elas. O vereador Luiz Antônio Ferreira Brito (SDD) acompanhou o serviço. “Ele é o único que sempre nos dá atenção. Os outros só vêm fazer média”, comenta Lia.

Apesar disso, desde então, a Prefeitura de Rafard não se manifestou mais sobre o assunto e nenhum outro funcionário público visitou a fazenda para consertar o telhado da escola. “Eu procuro a Prefeitura e o prefeito [César Moreira (PMDB)] desde o começo. Antes de a gente vir pra cá ele falou que a escola estava totalmente reformada, com uma estrutura completa pra gente morar. Era tudo mentira”, afirma.

“A parte de trás da escola está sem vidros. Pelos buracos do forro entram aranhas, abelhas”, detalha. “O prefeito veio aqui não tem nem um mês e tirou sarro da minha cara, como se eu estivesse encostada. ‘Vocês estão me esperando’, ele disse. Não. A gente não está esperando, a gente não tem condições.” Segundo Lia, no ano passado, Moreira chegou a prometer uma verba para auxiliar na construção das casas, cuja informação foi negada pela Prefeitura.

“Meu Deus, como pode estarmos jogados? Aqui chove mais dentro do que fora. Tive que levar meus filhos pra casa da minha mãe, porque aqui não tem condições de eles ficarem, mas em dezembro eles terão de voltar”, relata Lia. “A vizinha também perdeu tudo. Estamos ignorados. Até um cachorro de estimação vive em melhores condições do que nós, que somos seres humanos. Fomos esquecidos.”

Capela de Itapeva, reinaugurada em junho deste ano, já apresenta sinais de depredação (Foto: Laila Braghero/O Semanário)
Capela reinaugurada em junho já apresenta sinais de depredação (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

Capela

Andando pela Fazenda Itapeva, o jornal O Semanário também constatou que as janelas frontais da Capela São João Batista, reinaugurada em junho deste ano, estão com os vidros quebrados. Elizângela garantiu que a igreja está fechada desde a entrega oficial das chaves da portada ao município e à Igreja Católica, no dia 26 de julho. A Capela de Itapeva foi reformada pela Radar em novembro de 2014.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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