Geral

Diferenças

pedra-lago
Foto ilustrativa

Às vezes, as pessoas são discriminadas pelas diferenças do grupo onde vivem. As mesmas podem ser negativas, positivas, ou de forma, raça, religião ou cor. As últimas já são mais fáceis de notar, mas as diferenças das positivas e negativas são mais sutis ainda, pois as positivas são quando o discriminado o é por se destacar do grupo, seja em nível intelectual ou forma de agir, trabalhar, etc., e a negativa é o contrário.

O menino Eduardo era um desses, era discriminado na escola e mesmo na roda de brincadeiras, por sua forma de agir, sempre cordial e pronto para ajudar nos afazeres que lhe eram atribuídos. Ia bem nos estudos e até por isso faziam brincadeiras chatas com ele, mas isso não mudava seu caráter.

A cabeça dele estava sempre focada em aprender cada vez mais, mas às vezes, batia um desanimo e aí ele ia para um recanto secreto, que pelas pessoas era desprezado, uma pequena mata que ainda restava nos arredores de sua cidade. Esse pequeno paraíso era cercado de árvores, tendo ao centro uma pequena nascente onde se formava uma piscina natural, que ele ficava observando o movimento contínuo da água, sentado em uma enorme pedra, que muitas vezes serviu de cama para um repouso do qual ele saia muito mais energizado para voltar para casa.

Publicidade

Um dia, aquele dia que a gente para e pensa se realmente vale a pena ser diferente e ter individualidade, e em um estado de desânimo que não era comum a ele, aparece um andarilho e se agacha para encher seu cantil com a água cristalina daquela fonte. Ele pensou em sair correndo com a chegada daquela figura judiada pela vida, mas lembrando que ele sabia sobre o preconceito, resolveu observar a cena, mesmo à razão o mandando sair de lá o mais rápido possível.

Com seu coração mais aquietado, pode ouvir as palavras do andarilho, que até o momento não tinha o visto, pois quando chegou estava tão absorto pela fonte e não notou Eduardo atrás dele.

Aquele homem maltrapilho, que tinha como pertences apenas um cantil e um saco com alguns poucos pertences, disse palavras de agradecimento à natureza, na qual ele encontrou Deus, que nunca tinha ouvido em outro lugar com tanta sinceridade.

Foram palavras que ele não consegue reproduzir, pois vem do fundo da alma, e palavras assim não conseguimos repetir, mas só sentir a vibração que elas nos causaram na alma.

Ele ficou pensado em como aquela pessoa poderia ser tão sábia e viver daquela forma. Parece que o andarilho sentiu seus pensamentos e virou, ficando de frente com ele e começou a falar: “Desculpe vir atrapalhar sua meditação nesse pedaço do paraíso, muitas vezes quando vinha até aqui, mas ao ver que você já tinha chegado aqui primeiro eu esperava você sair e depois vinha descansar, mas hoje não notei que a ‘pedra da meditação’ já estava ocupada”.

Eduardo levou um choque, não por saber que muitas vezes ter sido observado, mas por ele usar o mesmo nome que ele dava à pedra, mas que nunca havia dito a ninguém. Aliás, nem sabiam que ele se refugiava ali, para meditar, ou mesmo estudar.

Naquele momento, ele sentiu uma forte empatia pelo estranho que estava ali. Não havia mais aquela forma judiada pelo tempo, apenas um outro ser humano que ele sentia ser muito parecido com ele, que muitos amigos e até mesmo familiares.

Como bom observador que era, sabia que tinha muito a aprender com aquele homem que estava ali à sua frente e se manteve silencio, pois, aquele homem que devia se manter em silêncio o tempo todo, tinha muito a falar e mesmo ensinar. Por isso, ele se limitava a fazer sinal de sim ou não com a cabeça, demonstrando interesse pela conversa.

Parece que o silêncio em que vivia, o fazia ler os pensamentos das pessoas, pois quando ele pensava em fazer alguma pergunta, ele já entrava de forma natural no assunto. E a que qualquer pessoa faria, é como alguém pode chegar ao ponto de viver nas ruas como ele.

A resposta veio rápida, ele descreveu de forma genérica que as pessoas caem nessa vida, na maioria das vezes, por decepções. Cada um tem sua história, pois somos seres únicos, muitos são presos por vícios, alias essa é a grande maioria, e quando são abandonados, ou se afastam das famílias, caem no mundo.

Alguns, como era o caso dele, saem em busca de seu eu interior, pois não se sentem ligados ao mundo em que vivem, se sentem diferentes, mas não acham que os vícios são a solução para sua procura interior. Nos caminhos que ele percorreu, já achou pessoas tão pobres, que somente tinham dinheiro, e outras que eram ricas, mas não tinham nem o que comer. Nessa hora, Eduardo sentiu que estava falando com um dos homens mais ricos que ele cruzou na sua vida.

Mas o assunto não parou por aí, ele disse que as pessoas não aceitam com facilidade as diferenças e tentam sufocá-las, e que devemos ser firmes em nossa jornada, mas sem medo ou pudores de mudar aquilo que sentimos que temos de negativo. Fez uma brincadeira de que devemos “Erguer Templos à Virtude e cavar masmorras aos vícios”, essas palavras calaram fundo na alma do jovem buscador.

Ele mesmo se sentia deslocado em seu meio, onde as pessoas preferiam sair para fazer bagunça, que estudar, não respeitavam as outras pessoas, fossem elas mais velhas ou não. Esse se sentir fora do meio o incomodava, mas no fundo ele sentia que deveria seguir seu sentir, e ele dizia que estava no caminho certo. Não deveria mudar só para satisfazer a “sociedade”, aquela “mente coletiva” que tenta massificar as pessoas.

Passaram horas naquele bate papo, onde só um falava, respondendo as indagações mentais do outro.
Os dias passaram, nunca mais Eduardo reencontrou aquele sábio em suas idas ao paraíso particular. Ele tem a certeza que o mesmo está em outro lugar espalhando conhecimentos a quem precisa.

O tempo passa, ele segue seu caminho, sai de sua pequena cidade para seguir seus estudos, a vida segue!

Uma tarde, Dr. Eduardo está em seu escritório, na cobertura do edifício onde funciona sua empresa de engenharia ambiental, responsável por grandes áreas de reflorestamento. Com um misto de tristeza e alegria ao olhar uma maquete colocada em um lugar de destaque em sua sala, feita por um jovem que ele conheceu em uma das visitas que faz à colégios, fazendo palestras de preservação ambiental, e que ao ver a qualidade de suas maquetes o convidou para fazer estágio remunerado em uma de suas empresas e hoje é o chefe de paisagismo. Esse jovem é um dos muitos que ele reconheceu e que aproveitaram a chance de fazer a diferença, no seu íntimo, ele sabe que não existe fortuna maior que essa, mas a tristeza é saber que aquele pequeno recanto que fez toda diferença em sua vida foi destruído para o plantio de cana de açúcar, restando apenas às lembranças e aquela maquete, cópia fiel daquele local e dos dois personagens sentados sobre a pedra.

Jr. Quibao
São Pedro, 23/11/2014 13:41

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo