Presente do cantor sertanejo Tinoco, o desgastado par de botas da marca Timberland é apenas um dos mais de 60 calçados já utilizados por Antônio Pereira, de 66 anos, que por 20 anos seguidos, de 1991 a 2011, saiu de Porto Velho (Rondônia), terra onde vive sua família, com destino a Aparecida (São Paulo) para cumprir uma promessa feita a Nossa Senhora Aparecida. Nesta semana, ele esteve em Capivari pela terceira vez durante este período. Mas, agora, insiste ele em dizer, passou por solo capivariano pela “última vez”. Depois de duas décadas na estrada, ele está voltando para casa. Antes, no entanto, encontrou tempo para contar sua história de fé e devoção ao jornal O Semanário.
O milagre
Em 1991, cego, prestes a amputar uma das pernas depois de sofrer um acidente em uma linha de trem e desenganado pelos médicos por conta de um câncer na garganta, ele pediu à padroeira do Brasil um milagre: o da cura.
“A janela do quarto do hospital estava aberta. Senti uma brisa bater no meu rosto. Alguns instantes depois, comecei a enxergar. Vi uma mulher com um vestido azul, de pele negra, cabelo crespo e sandália preta. Era Nossa Senhora. Ela estava dentro do quarto, na minha frente. A vi por cerca de 10 minutos, mas não consegui falar. Me faltou voz. Depois que ela saiu do quarto e foi embora, encontrei uma imagem bem pequena da santa dentro da minha caneca de água. Eu estava curado”, lembra ele.
Desde então, Seu Antônio ou, simplesmente, “O Pagador de Promessa”, como se tornou conhecido, abdicou da vida com a esposa e os dois filhos para caminhar do Norte ao Sudeste do País carregando uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Segundo seus cálculos, são mais de 80 mil quilômetros andados debaixo de sol e chuva por diversos estados brasileiros e também por algumas cidades da Argentina, Paraguai e Bolívia. Ele diz que já passou por mais de 500 municípios em suas andanças e gastou 66 pares de tênis, 31 bonés e 24 mochilas. Tudo é anotado em pequenos cadernos que ele utiliza como diários.
Não bastasse a distância das pessoas que mais ama, Seu Antônio, que levava, em média, seis meses para chegar a Aparecida e outros seis para voltar a Porto Velho, enfrentou adversários implacáveis durante sua longa peleja. “Sou o romeiro que mais andou a pé no mundo e o que mais passou fome. Às vezes tinha algum dinheiro e encontrava algum lugar para dormir. Às vezes não tinha nada. Já cheguei a dormir até em cemitério”, revela ele com sotaque mineiro, o qual adquiriu por causa do convívio com o povo da terra que mais gostou de conhecer em sua peregrinação: Minas Gerais.
Em 30 de julho, em Formiga (Minas Gerais), ele completou sua promessa: por 20 anos ininterruptos, andar de Porto Velho à Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida. Tudo em nome da fé. “Sou um privilegiado”, afirma.
Encarando sua promessa como uma missão, Seu Antônio, além de ser ajudado em suas idas e vindas, ajudou os necessitados que encontrou pelo caminho e levou à Basílica pedidos de pessoas que não tinham como chegar até lá.
Digna de filme, sua história chama a atenção por onde quer que ele passe. Em 2009, em sua segunda passagem por Capivari, ele teve sua jornada contada por O Semanário. Em seus registros, há entrevistas em inúmeras rádios, jornais e programas de TV, entre eles no de Hebe Camargo (SBT), Ana Maria Braga (Globo) e Silvia Poppovic (Band). E é o fato de ter conquistado notoriedade que vai ajudá-lo a voltar para casa. “Ganhei do apresentador Celso Portiolli (SBT) a passagem de avião. Vou participar do programa dele, o Domingo Legal, e depois volto para Rondônia”.
Após quase um terço de sua vida andando, em breve, quando estiver em casa, sem mais quilômetros à frente para percorrer, Seu Antônio, então um ex-pagador de promessa, quer tomar conta de sua fazenda, a “São José”. Além da esposa, 15 irmãos esperam por sua chegada na propriedade, que tem 500 hectares e abriga a produção agropecuária da família.
O Pagador de Promessa chegou em Capivari no domingo, 21, assistiu a missa na Igreja Matriz de São João e dormiu na casa de uma senhora que estava na cerimônia religiosa e lhe ofereceu abrigo. Ele deixou a cidade na segunda-feira, 22, com destino a Porto Feliz. De lá, pretendia seguir para Campinas e, depois, São Paulo. Ele não sabe ao certo quando participará do programa Domingo Legal e voltará definitivamente para casa. Com clareza, diz saber apenas de uma coisa. “Todos, independente da religião, devem ter fé. Ela move montanhas.”
