02/03/2018
De volta ao passado…
DO FUNDO DO BAÚ RAFFARD | Ao sair da Sapataria de Maermo, que ficou martelando as solas dos sapatos que lhe trouxeram para colocar “meia sola” e trocar os saltos, o que ele faz com o maior cuidado e capricho, dou uma olhada com mais acuidade dentro da sapataria e vejo que além dos “sapos” que já estavam lá, agora chegou mais um, Francisco Servelin, que todos conhecem pelo apelido de Kika, uma figura que mora de favor com Dona Benedita, que é cozinheira da Escola Luis Grellet, e com sua filha Lídia.
Ao ver Nerso Dias, Kika que é um “sarrista” incorrigível, pergunta a ele o que tem no pacote que leva à mão… Nerso, com toda sua esperteza responde que é “abdome de suíno”, ao que todos caem na risada, porque na verdade, o que Nerso está levando para casa é a comumente chamada “miúdos” de porco, que pegamos no açougue ou em abates de porcos, e que depois de lavar muito bem, e limpar com limão, é frito e servido como “mistura” nas refeições.
Sai de lá para ir até o cinema Paratodos, mas quando ouvi o som das marretadas dadas pelos Cortelazzi e Ernesto Albertini, não pude resistir e fui até lá com a curiosidade própria dos moleques, que ficam extasiados ao ver aqueles ferros em brasa serem moldados por eles.
Ao entrar Temístocles a quem todos chamam por Misto, já me chama pelo apelido com o qual se dirige a todos os moleques: – Fala Zé! O que ocê qué? Respondo: – Só parei prá vê o fogo… E vou saindo sem graça, enquanto Aldo, seu irmão rindo, me chama de volta e pergunta de quem sou filho, onde moro, e por fim depois de me identificar, acabamos bons amigos.
Agora vou até à sede do RCA, e entro para dar uma espiada no movimento que, como sempre está cheio de aposentados, num ambiente ruidoso de jogos de truco, onde só se ouvem berros de uns e de outros, reparo que a maioria deles já tem cabelos brancos, e que estão ali para “matar o tempo” onde quem não está jogando cartas, está jogando bochas como é o caso do Seo Gisto, e Arcide Ricomini, e ainda Pierin Fávaro, e Gênio Turatti, que estão numa disputada partida.
Mesmo querendo muito ir ver os filmes que vão passar no final de semana, e descer um pouco até a Praça da Bandeira, lembro que ao sair da Sapataria, meu irmão Gerson recomendou que fosse rápido prá casa, pois me lembrou que minha mãe precisa do óleo para preparar o almoço, e ele tem horário para voltar no trabalho.
Sabendo que se não voltar a tempo, além de levar uma bronca, vou levar um beliscão ou mesmo um puxão de orelhas, isso se não apanhar de cinta, então vou como louco de volta para casa, tremendo de medo, e prometendo para mim mesmo, que nunca mais vou demorar tanto…
Ao passar na frente da casa de Geraldo Capellari, onde minha irmã Lídia trabalha, ela me chama, mas eu faço que não ouvi, e passo voando com minha magrela, pois toda vez ela fica me chamando de “Fio lindo” para me deixar irritado, mesmo eu tendo chutado a canela dela e deixado até uma marca roxa do bico da minha botina
Ao chegar em casa, a primeira coisa que meu pai pergunta é: – Porque demorô?
Respondo que estava cheio de gente no Leandrin, e que fiquei um pouco com Gerson no Maermo, e que ele estava dizendo que à noite nós dois vamos lá na casa de Aninha e Seo Zoardo para ver a vitrola que Maermo comprou, e daí demorou.
Olha rapaizinho! Diz meu pai. Para em seguida dizer para eu não guardar a bicicleta, que vou ter que voltar para pegar mais coisas no “centro”.
“Jogou o sapo n’água” é tudo que eu esperava ouvir…