ArtigosJ.R. Guedes de Oliveira

De Amadeu Amaral, o saber pluralizado

Parte inicial da tese da Dra. Maria Emília Barcellos da Silva, da UERJ/UFRJ, pela qual ela descreve as múltiplas facetas da personalidade literária que foi Amadeu Amaral.

“Um dos atributos de Amadeu Amaral que mais surpreende os que tomam conhecimento da vida e obra desse ilustre brasileiro é, sem dúvida alguma, a pluralidade do seu saber, fruto de um conhecimento autoconstruído a partir de um olhar agudo e observador das múltiplas nuanças da aventura humana, revivendo a máxima do poeta latino Terêncio – homo sum, nihil humano alieno a me puto. Reconhecidamente um dos melhores escritores do seu tempo, Amadeu Amaral inscreve-se na galeria dos grandes nomes brasileiros como intelectual criativo, profundamente sensível e suave, compreensivo e generoso. A sua obra, composta de livros de edições sempre esgotadas, preenche uma lacuna no interesse cultural dos leitores de comunidades eruditas, independentemente de serem ou não lusófonos.

Infelizmente, hoje é praticamente impossível reunir tudo o que foi produzido pela sua admirável capacidade intelectual, ativa por mais de quarenta anos, no que concerne tanto ao jornalismo, quanto à prosa, à poesia e às suas pesquisas no âmbito do folclore, da cultura popular, da dignidade e dos direitos humanos. Essa obra foi dada à luz praticamente ao arrepio do tempo em foi produzida, porquanto, então, vigorava o ufanismo nacionalista lírico, avesso à pesquisa direta, num País de analfabetos e de subalfabetizados, cuja leitura de textos passava longe do entendimento e da reflexão crítica capazes de transformar uma realidade adversa.

Amadeu Amaral, por sua capacidade criativa e verdadeiro espírito acadêmico, é considerado, sem favor, “o primeiro universitário de São Paulo”, quando sequer havia universidade no Brasil. Esse homem, verdadeiramente à frente do seu tempo, curtiu fases extremamente difíceis no que se refere a sua manutenção pessoal e familiar, tendo chegado a publicar num semanário o seguinte anúncio: “Intelectual desempregado. Amadeu Amaral, em estado de desemprego, aceita esmolas, donativos, roupa velha, pão dormido. Também aceita trabalho.” Como declarou Graciliano Ramos no seu artigo “Um amigo em talas”, o anúncio não produziu resultado, tanto que Amadeu Amaral teria confessado a ele e a outros conhecidos: “Minha situação continua preta. Reitero o apelo às almas bem formadas: dêem de comer a quem tem fome, uma fome atávica, milenar. Dêem-me trabalho.” Noutra oportunidade, ao catalogar as suas habilidades para estruturar um novo pedido de oportunidade, disse: “Escrevo poesias, crônicas, contos (policiais, psicológicos, de aventura, de terror, de mistério), novelas, discursos, conferências. Sei inglês, francês, italiano, espanhol e um bocado de alemão. Dêem-me trabalho pelo amor de Deus ou do diabo.”

Os muitos artigos escritos por Amadeu Amaral nas suas incontáveis noites de insônia muito provavelmente também não deslanchavam no gosto do público-leitor da época, preteridos por novelas de sensação, de qualidade menor. Daí ter ele mencionado também esses préstimos ao montar o seu desesperado curriculum. Na condição de jornalista, Amadeu Amaral punha a sua pena a serviço de Deus ou do diabo, revelando, assim, a sua ansiedade em ser incluído – fosse como fosse – no mercado de trabalho e em conquistar o seu espaço como cidadão; o angustiante apelo aqui reproduzido concorre para demonstrar serem as dificuldades de então muito semelhantes às que hoje afligem os profissionais e os trabalhadores em geral que pretendem viver, com dignidade, do seu trabalho e da sua competência”.

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