Na mente dos europeus o imaginário se confundia com o real, era a época em que fantasiosas e heroicas viagens eram contadas e repetidas despertando entusiasmo, espírito de aventura e audácia nos lusos. Um dos contos fascinantes foi a respeito da visagem de John de Mandeville, no século 14 pelo oriente, descrevendo o Paraiso Terrestre de Preste João e as ilhas que o rodeavam. Preste João era um lendário rei cristão de uma povoação turca da Mongólia encravado no mundo árabe, e ao sul do país dos judeus Gog e Magog (ambos inimigos de Deus – ver Ez 38:2; Ap 20:8). Esse reino era trancafiado entre cortinas de ferro, cercado de montanhas quase intransponíveis, guardado por homens e animais monstruosos. Esse rei era descendente dos Reis Magos, inimigos dos muçulmanos. Para além do Índico estava o país dos monstros: antípodas, acéfalos, cinocéfalos, ciclópicos, centauros, e outros
(Visão do Paraíso, p. 29). Laura de Melo Souza diz que os lusos criam que Preste João escrevera cartas Alexandre 3º, a Manuel Comneno e a Frederico Barba Ruiva, cruzados católicos combatentes contra orientais não católicos.
Sequiosos de riqueza, luxúria, sexo livre e vida fácil, ficavam extasiados pelos relatos que se contrapunham à sua vida circunscrita à pobreza. Não queriam desvendar a verdade para não acordar de seus sonhos sem morar no paraíso onde tudo acontecia com o estalar dos dedos. Acordar desse devaneio sem pôr a mão nas pérolas, pedras preciosas, prata e ouro, especiarias, madeiras em profusão, seria deixar o paraíso e voltar para a dura realidade, e isto não queriam.
Os relatórios fictícios a respeito de Preste João despertaram o interesse do Infante D. Henrique, grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros da Cruz de Cristo (a mesma que descobriu o Brasil), incentivador das viagens ultramarinas portuguesas. D. João, também grão-mestre, rei de Portugal, enviou àquele rei duas expedições lideradas pelos cavaleiros da Ordem: uma por Bartolomeu Dias (1486) marítima, e outra em 1487, terrestre, por Pedro Covilhã, a fim de propor aliança comercial e de guerra contra os muçulmanos. O livro Pantagruel declara que um “Piloto Anônimo” ia se casar com a filha do lendário rei (Do Imag. a Sta. Inq., p.77).
No imaginário luso-espanhol, o Oriente continha o Éden, e Eutimenes de Massilia publicou a teoria de que o rio Nilo era o “Gion” paradisíaco. Dinis Fernandes estivera nesse lugar em 1445 e descrevera os quatro rios do Éden. O Infante D. Henrique mandou um veneziano que assegurou com outros viajores que os leitos dos rios Pison (Ganges), Fison (Nilo), Tigre e Eufrates, eram de ouro e pedras preciosas. Sérgio B. de Holanda comenta que a carta de Preste João precisa que a três dias do jardim do Éden havia uma fonte e quem provasse dessa água seria curado de qualquer enfermidade e viveria como se tivesse sempre 32 anos de idade. Pedro Mártir Aghiiera conta que certo homem, já muito velho, bebeu água dessa fonte, voltou recuperado, casou e teve ainda muitos filhos. A ideia era comentada até com o papa Leão X.
Colombo foi fortemente influenciado pelos relatos das riquezas dos impérios de Grã Cã e de Preste João e estava certo de que havia chegado ao Oriente em 1492. Quando chegou às ilhas de Bahamas, Cuba e Hispaniola, pretendendo que fosse o Oriente chamou os índios de aborígenes. Segundo Donald Maquand Dozer, Colombo levava cartas dos soberanos espanhóis para Grã-Cã (ver América Latina, uma perspectiva histórica, p. 31). Na sua imaginação Colombo viu sobre as águas do oceano, em 1492, três sereias, que para sua decepção não eram bonitas como descreveram certos escritores, uma delas tinha até rosto de homem. O genovês escreveu em seu diário em 15 de outubro de 1492: ‘Não quero parar, a fim de ir mais longe e descobrir ouro. Como diz a Bíblia: “onde estiver o vosso tesouro, aí estará vosso coração” (Mc 6:21). James Lancaster descreve que em sua viagem entre 1601 e 1603, no Cabo da Boa Esperança, perto da ilha de Santa Helena, surgiu um casal de sereias, seguro indício de mau augúrio.
Era evidente que os relatores desses contos eram os padres, pois o povo e grande parte dos nobres eram analfabetos. O Imaginário era conveniente aos reis e sacerdotes para expandir seus territórios, sugar as riquezas das colônias, satisfazer a sede de riqueza da nobreza e do clero.
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim é professor de Filosofia, Ética e História
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