O povo português era crédulo: seu rei, seu líder religioso, o papa, seu idioma, sua cultura eram de origem divina como era sua missão. A classe culta portuguesa cria que o rei divino, não podia morrer. O sebastianismo foi um episódio curioso na história imaginária lusitana. D. Sebastião, neto de D. João 3º, deveria assumir o reinado português em 1560 quando seu avô, o rei morreu. Devido à sua minoridade (3 anos), só ascendeu ao trono com 14 anos de idade, em 1568. O novo rei teve uma educação que fez dele um fanático inimigo dos “infiéis”. Logo que assumiu o reinado, espírito venturoso empreendeu a guerra de Álcacer-Quibir para tomar Marrocos, no norte da África, dos árabes. Sofreu desastrosa derrota, muitos morreram, entre os quais, o rei comandante D. Sebastião. O imaginário português não podia aceitar que seu rei “entronizado por Deus” fosse derrotado e morto justamente pelos árabes, “inimigos seus e de Deus”. Ele era “imortal”, e como se sabe, uma crença pode levar à criação de outras, assim como para tornar uma mentira veraz cria-se outra.
Foi forjada a lenda do Sebastianismo. Houve alguns, segundo o dicionarista Lello, quatro pessoas que tentaram aproveitar da credulidade do povo e passar por D. Sebastião. Um deles instigado por um frade que desejava fazer uma insurreição contra Felipe 2º, então rei da Espanha e de Portugal, e assumir o trono. Como consequência, três dos pretensos D. Sebastião foram enforcados e o apoiado pelo frade condenado a remar na galés.
Um sapateiro, remendão, um tanto rude chamado Gonçalo Anes Bandarra, orientado por religiosos, chamados cristãos novos, começou a escrever sobre a volta de Jesus. Compôs poesia com citações bíblicas, trechos de poesias tradicionais, formando predições aparentemente sobre a volta de Jesus. Por sorte sua, os inquisidores acharam esses escritos insossos e inofensivos, escritos sem muita cultura e ele escapou da condenação. O resultado foi que as trovas foram interpretadas de várias maneiras, e começaram a deduzir que os versos referiam-se ao retorno de D. Sebastião. Muitas cópias foram feitas e o povo culto e inculto lia, tornou-se um sucesso. Ninguém afirmava ter visto morrer o Rei, até porque seria preso como inimigo do Rei. Uma carta do Abade de Beira deixava dúvidas sobre o assunto. Novas versões da poesia de Bandarra foram reeditadas. Agora a elite: sacerdotes, nobres e literatas, é que se alegrava em lê-las e comentá-las. O autor, Gonçalo A. Bandarra foi elevado de simplório a profeta; foi considerado “o profeta nacional” e venerado como santo. Atendendo a um pedido do povo o arcebispo de Lisboa autorizou a colocação de uma imagem de Bandarra num altar dentro da igreja naquela cidade. D. João 4º teve de prometer que entregaria o trono a D. Sebastião quando ele aparecesse.
O povo cria e comentava que o rei escapara dos árabes e logo reassumiria o reino. Alguns diziam que D. Sebastião estava num navio russo atracado no porto do rio Tejo, e o povo vigiava ansioso pela sua volta. O Historiador Saraiva diz que um português havia avistado por meio de um telescópio D. Sebastião numa ilha, guardado por uma esquadra que o traria de volta. Ele vendia até planta dessa ilha com dois religiosos e dois leões que eram seus guardas. Dessa ilha o rei devia vir com exército para derrotar Napoleão Bonaparte (já havia 228 anos do seu desaparecimento). Não era só o povo simples, mas intelectuais como Pe. Antônio Vieira (1608-1697) usava os versos de Bandarra e pregava a ressurreição de D. João 4º para cumprir a profecia do sebastianismo (118 anos após a morte de D. Sebastião). Fernando Pessoa (1888-1935) (há 320 anos da morte do rei) e Ariano Suassuna (1927-2014) (366 anos depois) creram e pregaram isso mesmo. O Pe. (ou missionário) Antônio Conselheiro em 1897 (318 anos depois) predicava contra a república baseando no sebastianismo – D. Sebastião voltaria no final do século 19. Essa crença custou caro ao Brasil, a guerra dos Canudos ceifou milhares de vidas e o custo pecuniário foi muito alto. A crença de cada um deve ser respeitada. Deus também dá o livre arbítrio, contudo a consequência vem atrelada de forma inevitável e irreversível, muitas vezes cruenta. A ignorância pode cobrar muito caro.
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim é professor de Filosofia, Ética e História
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal. São de inteira responsabilidade de seus autores.