Há alguns anos, cotidianamente, contava-se piadas sobre “burrices” de portugueses. Tive um colega português da Ilha da Madeira, chamado Gilberto que contava piadas sobre “burrices” de brasileiros. Na verdade, o país, como a cor da pele, nada tem a ver com a capacidade e ou Q.I. das pessoas. Há, entretanto, contos fantásticos, que a nós, hoje, são jocosos. Era um tempo de misticismo, pobreza e analfabetismo, credulidade fácil, medo do inferno, as calamidades eram associadas aos pecados do povo, tudo era transcendental. Já dissemos em artigo anterior que nos idos séculos 11 a 16, o povo português era ávido por contos mirabolantes. Os padres contavam mentiras (daí o termo “conto do vigário”); viajantes marinheiros de ultramares agigantavam suas visões na volúpia do enriquecimento criavam seres lendários, fantasmagóricos. Isto não é exclusividade lusitana, os gregos tinham muitos deuses e seres como o cavalo de Tróia, Minotauro, Pégaso, os avatares do hinduísmo, o saci, mula-sem-cabeça, etês, etc dos contos brasileiros. Vamos abordar alguns relatos curiosos.
A elite de Portugal cria que Ulisses, semideus lendário, fundara Lisboa dando-lhe o nome de Ulissopo, às margens do rio Tejo (ver Dicion. de Hist e Geo, de Lello). Saraiva fala do sentimento lusitano de superioridade: “Os espanhóis triunfam sobre todos os povos. Ora, a história mostra que nós vencemos os espanhóis. Logo, somos o mais valente povo do mundo” (Hist. de Portugal, 182). A poesia de Lopes:
Sou El maior Senhor que el mundo pisa. Sou cifra de quanto es bono, Sou grande e de gran poder, Sou cetro, corona e trono, que terra e mar faz tremer, sou aquele que sou profundo, chega com fama imortal.
E finalmente me fundo em que bem sou Portugal, que sou mais que todo el mundo.
Para os portugueses, eles venceram o Gigante Adamastor porque tinham insígnia papal e o selo do rei lusitano, ambos divinizados. Note a poesia de Camões:
“Cessem do sábio grego e do troiano, as navegações grandes que fizeram.
“Cale-se de Alexandre e de Trajano, a fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre lusitano, a que Netuno e Marte obedeceram,
Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se levanta”. (Lusíadas, canto V)
O Pe. Antônio Vieira tinha firme convicção da divinização de seu rei e do seu povo evangelizador. Diz Eduardo Hoonaert:
Portugal tem uma missão toda especial dada por Deus em relação à América. O reino de Portugal é, pois identificado com o reino de Deus porque o rei português é diferente dos outros reis. Todos os reis são de Deus, mas são de Deus feitos pelos homens; o rei de Portugal é de Deus e feito por Deus, por isso mais propriamente Seu. Daí porque o povo português na sua totalidade é um povo missionário. Os outros homens por instituição divina têm só a obrigação de ser católico: o português tem a obrigação de ser católico e apostólico. Os outros cristãos têm a obrigação de crer a fé: o português tem a obrigação de a crer e mais de a propagar. A História de Portugal é por si mesma história sagrada, uma espécie de repetição da história de Israel, do povo eleito. Deus age nela de maneira contínua. Portugal é o seminário da fé a ser propagada por África, Ásia, América. (A Igreja no Brasil Colônia, p. 40).
As crônicas monásticas eram intermináveis coleções de milagres muito bem escritas. O primeiro jornal português: “A Gazeta em que se Relatam as Novas Todas que Houve Nesta Corte e Que Vieram de Vários Países”- 12/1641- primeira página traz:
“Num lugar de Beira se afirma que um homem que, ouvindo dizer que na feliz aclamação de El-rei nosso Senhor, fizera o crucifixo da Sé o milagre que a todos é notório, disse que podia acaso a imagem despregar o braço. E assim como acabou de falar estas palavras, caiu uma parede junto da qual estavam todos da conversação e só a ele matou. É um milagre a confirmar outro milagre. Acontecera que na coroação de D. João 4º, se despregara da cruz um braço do crucificado, que descaiu e ficou no gesto de abençoar. Isto foi atribuído a milagre; mas um beirão céptico objectou que podia ser apenas acaso, logo uma parede desabou sobre ele e o matou”.
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim é professor de Filosofia, Ética e História
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