No Evangelho segundo São Lucas, encontramos o texto que narra a presença de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum. Ele, tomando o Livro do Profeta Isaías, fez a leitura de um trecho e parou no ponto que anunciava o “ano da graça do Senhor” (cf. Lc 4,19).
O anúncio do ano da graça é também o anúncio da misericórdia de Deus. A misericórdia é a maneira como Deus age para chegar aos que estão subjugados pelo pecado.
Da criação à redenção, todo o agir de Deus é marcado pela misericórdia. Por diversas vezes, encontramos passagens do Evangelho que falam do agir misericordioso de Jesus, que acolhia os pecadores públicos. Seus gestos são claros e mostram que ele não se limitava a um simples contato superficial.
Jesus se sentava com os pecadores, comia com eles, tocava em suas feridas e perdoava seus pecados. A presença de Jesus, mais do que um contato social, era um convite à conversão.
Compreender a ação de Jesus como convite à conversão é fundamental para não entender, de forma equivocada, a presença de Jesus entre os pecadores. Algumas vezes, pretende-se justificar erros e enganos a partir da presença de Jesus entre os pecadores. É importante distinguir que essa presença não é uma aceitação passiva de ideologias, mas, antes, um convite à transformação, à mudança de uma realidade para outra.
Jesus entra na realidade do pecador para, então, conduzi-lo em outra direção. Jesus é o Caminho, que convida a sair. Sua misericórdia é transformadora para além da paralisia do pecado e da morte. Jesus é a Verdade, que não se confunde com as “verdades subjetivas”.
Por isso, para não se confrontar com essa Verdade, parece mais fácil simplesmente desconsiderar algumas passagens do Evangelho, dizendo, de forma parcial, que “Jesus se sentou com os pecadores”. Jesus é a Luz que ilumina a escuridão.
A escuridão hoje assume muitas formas. Ela se disfarça em alegria, prazer, amor. Assume a forma de estruturas, dentro da família, nos meios de comunicação, na política e em tantas outras realidades. A luz que é Jesus precisa iluminar tudo isso. A luz faz aparecer o contraste com a escuridão e deixa ver a verdade, que aponta o caminho. Por isso, Jesus sentou-se com os pecadores.
Não podemos confundir a misericórdia de Jesus como uma aceitação passiva de erros e enganos que conduzem ao pecado.
O “tempo da Graça” é o tempo da misericórdia, que, por sua vez, deve suscitar adesão e compromisso com o Reino, da parte de quem ouve a pregação. Jesus se senta com os pecadores, mas não para simplesmente permanecer sentado.
Se lemos com atenção as passagens que narram o encontro de Jesus com os pecadores, percebemos que existe claramente uma mudança de atitudes. Podemos destacar dois casos particulares: o de Zaqueu (cf. Lc 19,1-10) e o da mulher conhecida apenas como “adúltera” (cf. Jo 8,1-11).
No primeiro caso, Zaqueu é atraído para ver Jesus, que depois tomou a iniciativa de entrar na casa desse pecador público. Essa visita causou espanto e rejeição da parte dos sacerdotes e religiosos, mas, por outro lado, provocou a conversão e a mudança na atitude de Zaqueu. A pregação de Jesus levou a uma revisão de vida e, consequentemente, à mudança concreta, com atitudes.
A “adúltera” foi conduzida à presença de Jesus depois de ser surpreendida em pecado. Aqueles que a conduziram esperavam, da parte de Jesus, uma condenação, segundo a Lei. Jesus surpreendeu a todos com uma atitude de quase indiferença, escrevendo na terra.
Mas, com palavras bastante claras, respondeu: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Nas palavras de Jesus, encontramos a coragem de enfrentar a realidade do pecado, mas preservar a pessoa.
Não estamos imunes ao pecado, sabemos disso, e reconhecer isso é sinal de sabedoria. Também não basta saber e calar. Caída por terra, a “adúltera” confessa o pecado e recebe uma palavra de consolo para retomar a vida, agora livre do pecado: “Vai e não peques mais”.
A presença de Jesus, entre os pecadores, é um julgamento do pecado, e não da pessoa. Jesus se senta como juiz daquilo que desfigura a pessoa humana, que é o pecado, e sua palavra tem como finalidade o resgate da dignidade e da vida. Apropriar-se da ação de Jesus para justificar ideologias, de qualquer natureza, é falsificar grosseiramente o anúncio do Reino e a misericórdia de Deus.
Tenhamos sempre presente que o compromisso de Jesus é com a vontade do Pai e com o Reino, e que esse compromisso se confirma no mistério da cruz. Exatamente por isso, não se pode pendurar na cruz bandeiras com propostas opostas aos valores do Reino.
A cruz não é um palco de debates, ela é sinal do compromisso de Deus com toda a humanidade, marcada pelo pecado, mas redimida pelo sangue derramado do Cordeiro.
Ao sentar-se com os pecadores, Jesus indica sua disposição em acolher a todos, sem distinção, sem discriminação (cf. Misericordiae Vultus, 1). Ele é o rosto da misericórdia do Pai oferecida para cada pessoa, suscitando ternura, compaixão, indulgência, conversão e perdão, para uma vida nova.