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Contos do caipira: Banco de peroba

Um dia, parei meu carro naquela estrada.
Era uma linda manhã de meia cerração.
Fiquei, por um instante, olhando a plantação.
Quando um lavrador me vê ali, ele chama minha atenção.
Perguntando se eu queria alguma coisa?
Eu logo disse que não. Ainda assim, insistia aquele moço com educação.
Logo do meu lado, um banco de madeira encostado num portão.
Fui logo me sentando, o rapaz fez o mesmo, limpando o banco com a mão.
Comecei a conversar:
“Seu moço, me desculpe a intromissão!
Há muito tempo, tudo isto aqui me pertenceu.
Está vendo aquela plantação de milho?
Bem ali, veja que o milho não cresceu!
Vou lhe contar.
O senhor talvez não se lembre, é mais novo do que eu!
Ali naquele lugar, ainda não esqueci,
Tinha uma casa, não era grande, foi ali que eu nasci.
Numa tarde, saí no terreiro, vi meu pai parado.
Perto dele, um arado, fui bem devagarzinho pra não o assustar.
Eu cheguei do seu lado, aí quando me viu, pôs a mão na minha cabeça.
E desse jeito me dizia,
Vamos ter que ir embora, e deixar para traz tudo isso que construímos com alegria.
Então, assustado, eu quis fazer perguntas. Ele me disse:
Não vai adiantar lhe dizer, você não entenderia.
Amanhã, bem cedinho, o novo dono vai chegar.
Eu não era tão criança, mesmo assim eu quis saber!
E tornei a perguntar:
Por que, papai, por quê?
Vamos ter que mudar?
Então meu pai me respondeu:
Filho,
Um dia você vai entender. As coisas aqui no sítio foram ficando cada vez mais difíceis,
Que já não sei mais o que fazer.
Fui ficando tão endividado, não consigo comprar nem a comida pro gado, o adubo, a ferramenta.
Acabei deixando tudo isso penhorado.
Por isso, pegue suas coisas, vamos levar somente o necessário.
Não podemos levar muita coisa, pra não ficar pesado.
Só nos resta aquela carroça, que me foi dada com agrado.
O nosso burrinho brioso vai levar o papai, a mamãe e você
Até uma propriedade, onde serei empregado.
Saí correndo, naquele instante, gritando não!
Mas vi que de nada iria adiantar o meu desespero.
Confesso que passei a noite inteira acordado.

Agora, depois de alguns anos passados, parei aqui neste lugar, e fiquei pensando:
Meu pai, minha mãe.
Quase saí gritando, meus brinquedos de criança!
Meus primeiros cadernos, meus primeiros livros.
Meus discos de vinil!
Minhas fitas k7, o que fizeram?
Com quem ficaram?
Meu Deus, tudo ficou ali! Naquela casa.
Hoje, vejo que até a casa, nossa casa, já não mais existe.

Vejo que o senhor acabou ficando triste.
Olha, seu moço,
Isso que o senhor acabou de ouvir passa.
O senhor esquece, e volta a ser alegre.
Mas a minha alegria não volta, não existe!
Olha tudo isso!
Um campo de plantação!
Mas no pensamento eu vejo, bem ali!
A nossa velha casa, um poço com água limpinha, o quintal cheio de galinhas.
E essa dor no coração!
Agora, seu moço,
Devo continuar. Eu passo todo dia por aqui.
É o caminho que eu faço para trabalhar.
Isso tudo é passado, que não tem mais volta.
Mesmo que eu queira comprar tudo de novo.
Pra fazer o quê?
Onde estão meus pais, onde estão minhas coisas de estimação?
Meus sentimentos, minha riqueza, meus sonhos!
Meus planos de quando criança!
Moço,
O terreiro, onde eu brincava com bolinha, já não vejo nem a casa vizinha!
Talvez o mesmo destino que a minha!
Ali, onde eu brincava com a molecadinha,
O balanço embaixo daquela árvore, quem fez foi minha madrinha.
Notei que a árvore ainda padece, o fogo a queimou quase tudo.
No meio do milharal, seu tronco apodrece.
Tudo o que eu gostava, tudo o que eu tinha se perdeu neste lugar.

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Até outro dia, moço. Continue aí com o seu trabalho.
Sei que atrapalho, preciso ir, não posso me atrasar.
Eu só queria desabafar. Aqui, este banco, tem a minha idade.
Esta madeira é de lei, peroba, que caiu ali no pomar.
Caiu com o tempo, meu pai nunca quis cortar.

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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