Leondenis Vendramim

Caráter

A etimologia é uma área da gramática muito interessante, ela nos ensina sobre a origem das palavras e nos revela quando usamos o vocábulo erroneamente. No caso, o termo caráter é oriundo da língua grega kara que significa face, rosto, porém, o mais clássico e correto é “cara”.

É na cara que se encontram as características fisionômicas que identificam uma pessoa. Contudo, a linguagem é viva: nasce, cresce, modifica-se e morre. Este é o motivo que atualmente traduz-se “kara” por rosto. A palavra rosto veio do latim “rostrum”, que é bico, focinho.

Assim o passarinho tem rosto ou bico; o cavalo e o cão têm rosto, focinho. Para o ser humano o correto é “cara”, face. Deixemos claro: os termos cara e rosto foram usados indistintamente para humanos e animais, são usados como sinônimos, e ninguém estranha.

Caráter são as características morais que identificam o ser humano, modo de ser, temperamento. O indivíduo pode ter bom ou mau caráter, só não tem como ser neutro, ou é bom ou é mau; não há como ser e não ser. O bom caráter é a maior riqueza que o ser humano pode ter como legado de honra aos seus descendentes.

Salomão, o sábio, escreveu no seu livro Provérbios: “A memória do justo é abençoada, mas o nome dos ímpios apodrecerá.” (Prov. 10:7); “Mais digno de ser escolhido é o bom nome do que as maiores riquezas; ser estimado é melhor do que a riqueza e o ouro.” (Prov. 22:1)

Eu tenho o maior orgulho do nome de meu pai,Emílio Vendramim”. Eu sabia de muitas ocorrências para justificar este meu sentimento, mas no dia 17 de maio 2023, encontrei com Antônio Lopes, com 96 anos, que me disse: “O seu Emílio foi o homem mais honrado, justo que eu conheci.

Certa vez deu o orçamento para construir uma casa, e antes do início subiu o preço de todos os materiais. Um enorme prejuízo, mas ele disse aos pedreiros e serventes: Eu dei a palavra, vamos construir pelo preço dado”. Ele construiu a maternidade da Santa Casa “Carmela Dutra”, em Capivari, sem cobrar a mão- de-obra. Pagou o salário dos seus empregados do próprio bolso.

Segundo o historiador Arnold Toynbee (1889-1975) que conviveu com as duas guerras mundiais, a base da crise do mundo ocidental era espiritual. O seu tempo era de euforia, pois tudo se resolveria pela iluminação do racionalismo.

Não haveria mais guerras, corrupção política, crise econômica ou cultural, pois os filósofos divulgaram um evolucionismo bastante otimista e libertador, livre do Deus que morreu, segundo Nietzsche. Enfim, o homem tendo a razão, como se fosse Deus, seria capaz de criar uma sociedade ideal.

A França, berço do iluminismo, que colocou a deusa da razão no altar, exterminou cristãos, decretou o fim dos mandamentos divinos, foi chacoalhada pela revolução francesa, causadora da horrível carnificina dos 16.594 executados, só em Paris foram 2.639 guilhotinados, o rio Sena ficou tinto pelo sangue até do rei e da rainha. Deus é amor, e o originador da moral (Êxo. 31:24), a lei que protege a humanidade da violência e dá sabedoria.

Afastando-se do Criador, a consequência é desastrosa, o homem não alcança a paz, sua sabedoria é loucura. (1 Cor. 3:19-20) Foi através do cristianismo e do judaísmo que o mundo ocidental se escolarizou, conseguiu os hospitais e santas casas e avançou na ciência. Apesar de tudo, a sociedade tem rejeitado os valores morais como obsoletos.

“Desta crise moral, um dos sintomas mais flagrantes é a ausência de caráter. Como poderia ser diferente se caráter é uma das dádivas do cristianismo ao homem? Querer preservar as boas coisas que o cristianismo nos legou enquanto repudiamos com cinismo suas exigências morais é o mesmo que pretender conservar viva uma árvore arrancada de seu solo nativo.” (S.J. Schwantes. Colunas do Caráter, p. 8)

Em 1848, o Almirante Tamandaré, estava a bordo do D. Afonso, saído dos estaleiros de Liverpool, singrava na sua primeira viagem, foi então que avistaram um barco em chamas. Era um vapor americano, o Ocean Monarch com 396 emigrantes, que viajavam para Boston.

As altas chamas e as fagulhas punham em perigo a fragata brasileira. Por isso, à distância, o marinheiro de alcunha Jerônimo, com muita coragem e risco, lançou-se às águas conduzindo um cabo ao navio sinistrado. Por meio desse cabo, cento e cinquenta e seis viajantes foram salvos do incêndio devorador.

Ao tomar ciência do ocorrido, o imperador inglês enviou, por meio do embaixador brasileiro, cem libras esterlinas para serem distribuídas entre os tripulantes, devido à atitude heroica.

O Almirante Tamandaré reuniu os tripulantes, leu o ofício recebido e apelou aos seus comandados que cedessem o obséquio a fim de distribuírem entre as vítimas do incêndio. Compreendendo o altruísmo do seu comandante, de boa vontade, o fizeram.

Esse fato, ocorrido há quase dois séculos, mostra o quanto os atos de desprendimento, em prol dos outros constroem um bom nome. Joaquim Marques Lisboa, então Marquês de Lisboa, o Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha Brasileira, ganhou um monumento em Nazaré – Portugal. O bom nome, ou caráter, constrói-se não só de bravura, mas com bondade, gentileza, honestidade, amor…

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