Por longo tempo, no Brasil, a perseguição foi feita pelos sacerdotes e depois pelos bispos, representantes dos inquisidores para vigiar os hereges nas colônias e para aumentar a arrecadação.
Em 1591 chegou o terrível inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, conhecido por seus excessos, até pelos inquisidores portugueses, instaurando pânico com sermões, procissões e autos-de-fé, impondo delações e confissões.
A inquisição surgiu prometendo o céu com suas fogueiras; delatavam-se por medo, ciúmes, vingança, inimizade, retaliações e até por antipatia. Nas ordenações Filipinas o rei pagava aos delatores 100 cruzados, além da metade dos bens do réu.
Os jesuítas eram implacáveis, pelos confessionários analisavam os pecados e pensamentos das vítimas de extorsão, ou de inquisição, como Antônia de Oliveira delatada pelos seus confessores Antônio Blasques e Pero Coelho (Do Im. à Sta. Inquis., 216).
O rei francês Felipe 4º propôs ao Papa e conseguiu (1621) a criação do Tribunal da Fé no Brasil para combater os fugitivos da inquisição europeia. Aqui, voltava-se contra tatuados, feiticeiros e pajés, sodomitas, protestantes, guardadores do sábado, principalmente judeus, donos de engenho e de mina de ouro.
A inquisição era torturas mentais à exaustão, durante a madrugada sem dormir, as vítimas tinham de vestir um chapéu cônico de papel (sambenito), roupa especial com cruz no peito e nas costas, surrados em público, jejuar às quartas, sextas e sábados, ou, deviam comer pão feito com medidas iguais de farinha, sal, e cinza.
Acusavam por causas hilariantes. Houve condenações por comer carne na quaresma, comer antes de receber a hóstia, por ler romance proibido (Idem, 195), por dizer: “Só Deus é justo”, (delatado pelo Padre João Fernandes por negar a santidade de Maria e dos santos. Idem, 199), por bruxaria, adivinhações (alguns jesuítas como Antônio Gouveia, praticavam adivinhação).
Paula Sequeira foi presa porque praticava magia para “amansar o marido a fim de que ele pusesse afeição só nela”, teve de pagar 50 cruzados (valor de 1 kg de ouro), mais 50 cruzados para despesas do Santo Ofício, além de ficar em pé com uma vela acesa na mão durante a missa toda.
Doutra feita, Paula foi queimada por ser encontrada saindo do quarto de um jesuíta doente em forma de pata, após mata-lo; Leonor Sequeira de Moraes e sua filha por usarem líquido menstrual para tornar seu marido um pateta; Guiomar Pinheira por confessar aos 38 anos, que praticou sodomismo aos 8; a escrava Páscoa foi enviada de S. Paulo para Portugal, em 1750, e lá condenada por matar 5 pessoas após ter feito pacto com o demônio.
A historiadora Novinsky diz que entre os sécs. 17 e 18 a inquisição portuguesa queimou milhares de brasileiros e de colônias espanholas por heresia, feitiçaria e judaizismo, ultrapassando a ferocidade espanhola, principalmente nas regiões mais ricas, donde os jesuítas, ávidos por dinheiro e imóveis, lucravam muito na busca dos “hereges”.
O “Santo Ofício” fazia detalhado cadastro dos bens dos “acusados”, até dos lençóis e roupa pessoal: Engenho de açúcar valia 60.000 cruzados; casa no Rio de Janeiro 7.000 réis; cavalo 10.000; escravo (50 anos) 50.000; de 27 anos 150.000 réis.
Os arquivos da inquisição portuguesa registram 3254 condenações de brasileiros nesse tempo. Entre 1749 e 1771 foram queimados mais de 20 mil brasileiros, e de S. Paulo foram enviadas mais de 500 pessoas à inquisição portuguesa, quando a cidade ainda era um punhado de 60 ruas curtas, entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, e por volta de 140 mil habitantes.
O judeu Antônio Saraiva fugiu da fogueira de Portugal e veio morar no Ceará, criou filhos e netos com nomes portugueses e evitou práticas do judaísmo para livrar-se da perseguição. Flávio M. Carvalho desenterrou sua origem judaica e de mais 6000 judeus e judaizantes disfarçados.
Cerca de 15 milhões de catolicizados eram descendentes de judeus, muitos donos de engenhos, homens, mulheres e crianças foram descobertos, presos, torturados e queimados pela intolerância religiosa, pois não comiam carne suína, peixe sem escama, ou guardavam o sábado.
Diziam os jesuítas que o “Santo” Ofício estava acima do confessionário e da legislação natural, e não importava tanto a culpabilidade, pois, se o condenado fosse inocente, seu martírio serviria de salvo-conduto para o céu, se culpado, estaria pagando por sua heresia, o que aborrecia o diabo pela derrota e alegraria a Deus.
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim é professor de Filosofia, Ética e História
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