A Regulamentação da Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que acrescenta um inciso ao artigo 128, permitindo a interrupção da gravidez até a 10ª semana, por opção da mulher, em caso de feto anencéfalo, foi publicada na terça-feira, 24, no Diário de Justiça da União.
Uma das decisões mais polêmicas da história do Brasil, no dia 12, após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar por interromper a gestação com assistência médica. Por 8 votos a 2, os ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime.
A decisão não considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse recomendado ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que adotassem medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia. Também foram desconsideradas as propostas de incluir, no entendimento do Supremo, regras para a implementação da decisão.
Contra os princípios religiosos cristãos, a decisão passa a vigorar em todo o país e agora tem força de lei, portanto, pode ser aplicada a qualquer momento dentro das condições exigidas pelas novas diretrizes.
Entre as lideranças cristãs, o pastor Silas Malafaia e o pastor e deputado Marco Feliciano lideraram uma campanha pela reprovação do aborto, convocando fiéis e internautas para que enviassem e-mails aos ministros, pedindo que eles votassem contra a aprovação.
Sem sucesso, as iniciativas também contaram com forte luta da Igreja Católica, que pediu vigílias aos fiéis pela rejeição da decisão.
O pastor Silas Malafaia afirmou que “esta é a moderna depuração dos nossos tempos. Aborto de anencéfalos, daqui a pouco aborto para quem tem Síndrome de Down, depois qualquer bebê na barriga da mãe que tenha qualquer deficiência. A vida é um dom de Deus, está na sua autoridade dá-la e tomá-la”, disse.
A Diocese de Piracicaba, representada pelo pároco Adalto Roberto Demachi, que está em Capivari desde janeiro deste ano, afirma que a igreja não tem como ir contra o parecer do Supremo Tribunal Federal, que agora é lei.
O padre ressalta que o papel da igreja hoje é orientar o católico. “A questão mantém todo o seu peso no campo da decisão moral”, fala.
“No âmbito da consulta, o médico, ou outro profissional de saúde habilitado, deve prestar todas as informações e os esclarecimentos necessários à mulher grávida ou ao seu representante legal, tendo em vista uma decisão livre, consciente e responsável”, refere-se ao texto da lei, sublinhando que os esclarecimentos “devem, preferencialmente, ser acompanhados de informação escrita”.
Na opinião do Pastor Ivo Gomes, titular da Primeira Igreja Batista em Capivari, mesmo diante da aprovação da Corte Suprema do nosso país, “abortar é tirar a vida de um ser humano”. Para Gomes, a Bíblia ensina que a vida começa na concepção. “Deus nos forma quando estamos ainda no vente de nossa mãe”, diz. Citando o texto bíblico que está descrito no Livro de Salmos, capítulo 139, versículo 13: “Tu criaste cada parte do meu corpo; tu me formaste na barriga da minha mãe”, Ivo completa que por isso é contra a qualquer tipo de aborto. “Para mim o aborto é e continua a ser um crime hediondo”, comenta.
À luz da ciência e da Bíblia, uma criança não nascida é um ser humano, no sentido que todas as informações genéticas foram transmitidas na concepção, ressalta o pastor.
“Portando, uma criança não nascida é uma pessoa, um ser humano independente e distinto da mãe, possui cromossomos que são só dele, são únicos, e ainda mais, toda pessoa é uma criação singular de Deus, por isso abortar a vida de uma criança, seja ela portadora de anencefalia ou qualquer outra coisa, é desobedecer aos mandamentos de Deus e ir contra os seus ensinos” diz.
Para o Pastor Alexandre Jordão, da Igreja Batista Nova Aliança na cidade de Rafard, pela ótica protestante, a regulamentação torna o aborto justificável se esta gravidez produz algum risco para a mãe.
Em qualquer outro caso o protestantismo é absolutamente contra a interrupção da gestação. “Nós entendemos que quem pode arbitrar sobre a vida é o próprio DEUS, Aquele que deu a vida”, ressalta.
Jordão comenta que hoje, as leis baseadas nesse princípio favorecem e facilitam a realidade humana e estão muito longe da ética cristã. “Essas leis, na verdade, baseiam-se no conforto, na comodidade humana e permitem que as mulheres abortem por qualquer motivo”, comenta.
O pastor explica que quando entrou em discussão na Corte norte-americana, perguntou “quando existe vida? Após do nascimento apenas”. E pôde concluir, segundo ele, que essas regulamentações permitindo o aborto não são uma verdade, mas um engano. Ele conclui que “não existe lei enquanto o feto está no útero da mãe, só após o seu nascimento. Isso quer dizer que o Estado só poderia arbitrar depois que a criança nascesse e passasse a existir como pessoa”.
A anencefalia
A anencefalia é uma anomalia congênita do sistema nervoso central, resultante da falha no fechamento do tubo neural entre o 23º e o 26º dia de gestação, incapacitando o concepto para a vida extra-uterina. Pela anomalia do cerebelo, não há controle de temperatura corpórea e da frequência respiratória, o que torna impossível a sobrevida dessas crianças (Hunter, 1983).
Nos EUA, a incidência de anencefalia é de 1 caso de anencefalia para cada mil nascimentos. Na Irlanda e Países de Gales, de 5 a 7, para mil. Na França e no Japão, 0,1 a 0,6 para mil nascimentos. E no Brasil, 1 caso entre 1,6 mil nascimentos.
Mesmo em países com extensa tradição católica, como Itália e Espanha, a interrupção da gravidez com fetos anencéfalos é realizada na imensa maioria dos casos – de 80% a 85%.
O STF tem a opinião de que ao se diagnosticar um feto anencéfalo, deverá ser permitido ao casal decidir de uma maneira totalmente informada e livre sobre a interrupção ou o seguimento da gravidez.
A opinião baseia-se no fato de que não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de patologia. A gravidez com anencéfalo traz para a mãe maior probabilidade de doença hipertensiva específica da gravidez, além da questão psicológica e outros motivos a serem analisados.
O diagnóstico da anencefalia pode ser realizado com total segurança, devendo ser obrigatória, antes da interrupção, uma segunda opinião de um obstetra experimentado.
Sobre esta questão, é importante a lição de Luís Roberto Barroso. “A vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado.” (Fonte Jornal O Estado de São Paulo, 08/04/2012).