Lulismo e redução da pobreza. Se o conservadorismo é a ideologia reinante no nosso país, sobretudo desde o final dos anos 80 quando se associou ao neoliberalismo, não há dúvida que dele não escapou nem sequer o lulismo dos últimos dez anos: as elites e as classes médias, aliadas agora às classes sociais emergentes (classe C) e àqueles que acabam de sair da pobreza, sem excluir os pequenos empreendedores, são todos muito conservadores, ou seja, não são simpáticos a políticas que buscam promover a ascensão social por meio dos recursos e programas públicos (todos têm medo de perder o que já ganharam). Apesar dessa ideologia social e política extremamente conservadora, muitos programas de elevação social foram concretizados pelo lulismo (Singer, Os sentidos do lulismo, 2012).
Estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República mostra que, apesar da crise financeira global, entre 2008 e 2009, a pobreza reduziu (no Brasil) de 25,3% para 23,9% da população (Valor Econômico de 26.06.12, p. A4). Em dez anos, o recuo foi de 15,1 pontos percentuais, ou seja, em 1999, 39% da população era considerada pobre, contra 23,9% em 2009 (30 milhões de brasileiros saíram da pobreza). A pobreza está diminuindo e a desigualdade está caindo. O levantamento citado revela o seguinte: a renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu, de 2001 a 2009, 7%, enquanto o aumento entre os 10% mais ricos foi de apenas 1,5%. Os ricos cresceram menos, enquanto os pobres cresceram mais. Os ricos ficaram menos ricos, enquanto os pobres ficaram menos pobres: essa é a equação econômico-social do lulismo.
Menos pobres e mais crimes. O Brasil se tornou o 6º PIB (potência econômica) mundial, mas a criminalidade não diminuiu (de 9,6 homicídios para cada 100 mil habitantes em 1979 passamos para 27,3 em 2010). Mais de meio milhão de pessoas foram assassinadas no período lulista (veja Datasus e Instituto Avante Brasil). O Brasil é o 20º país mais violento do mundo e o único dos dez mais ricos que está no Top 66 dos países mais violentos. A desigualdade e a pobreza continuam caindo, mas as taxas delitivas só aumentam. Se a pobreza está caindo e a desigualdade está reduzindo, por que o crime está aumentando? Dentre os incontáveis fatores que poderiam explicar esse fenômeno (cultura contemporânea da violência, frouxidão nos vínculos familiares e religiosos, violência nas televisões, drogas, violência de gênero, iniquidades sociais, miséria etc.), penso que dois deles se destacam: (a) o ânimo de lucro do crime organizado, sobretudo no âmbito das drogas (para obtenção do lucro tudo se torna possível, inclusive a violência) e (b) a remanescência de um subproletariado imenso, que continua excluído, marginalizado e, ao mesmo tempo, mergulhado em profundas situações de conflito.
Mais crimes e mais populismo penal. O lulismo diminuiu a pobreza, mas não radicalizou a clássica ordem econômica, não estabeleceu nenhum confronto extremado com o capitalismo escravagista, ou seja, procurou manter a ordem econômico-social dada (que é extremamente injusta e criminógena). O lulismo se funda no paradoxo de ter promovido avanços sociais sem eliminar a acumulação primitiva de capital (Karl Marx), que consiste numa associação de maximização dos lucros, uso da violência e destruição de uma série de vítimas individuais e sociais. A pujança do capitalismo à brasileira, que é primitivo e escravagista, significa maximização dos lucros mediante o uso da violência.
É disso que decorre, em grande parte, o aumento da criminalidade (tradicional) que gera (cada vez mais) insegurança; mais insegurança gera mais medo; mais medo (gerenciado pela mídia) gera mais demanda punitivista; mais demanda punitivista gera mais populismo penal, ou seja, mais exploração da emotividade popular decorrente do delito, com postulação de mais penas, mais rigor punitivo etc. Quanto mais o Estado perde sua capacidade para gerenciar os conflitos sociais, mais se torna punitivo, porque os políticos se tornam impotentes para resolver tais conflitos. Essa impotência política e econômica se transforma em potência penal, turbinada pelo populismo penal (midiático), que é a única que pode cumprir o papel simbólico de tranquilizar (ilusoriamente) a população. Quem não tem muito que oferecer em termos de segurança para a população, só pode fazer o que os mágicos fazem: iludir o espectador (valendo-se do poderoso auxílio da mídia).