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Aos 60 anos, Cine Vera Cruz se reinventa com tecnologia digital e segunda sala

22/05/2015

Aos 60 anos, Cine Vera Cruz se reinventa com tecnologia digital e segunda sala

Davilson de Jesus Talassi, de 57 anos, proprietário do cinema capivariano, falou sobre as novidades que serão apresentadas nos próximos meses
O empresário Davilson de Jesus Talassi é proprietário do Cine Vera Cruz há 32 anos (Foto: Laila Braghero/O Semanário)
O empresário Davilson de Jesus Talassi é proprietário do Cine Vera Cruz há 32 anos (Foto: Laila Braghero/O Semanário)

CAPIVARI – “Eu adoro essa parte. A luz vai se apagando, devagarzinho. O mundo lá fora vai se apagando, devagarzinho. Os olhos da gente vão se abrindo, daqui a pouco a gente não vai nem mais lembrar que está aqui. A gente vai conhecer um monte de pessoas novas, um monte de problemas que a gente não pode resolver; que só eles podem. Vamos ver como e quando. Está começando.”

A sensação de se aconchegar em uma poltrona, em frente a uma enorme tela, para assistir a um filme que está em cartaz no cinema, foi definida em 2003 por Lisbela, personagem vivida por Débora Falabella no longa Lisbela e o Prisioneiro. Hoje, com uns R$ 25, dá para fazer o pacote completo (pipoca, refrigerante ou barrinha de chocolate) na maioria dos cinemas do país.

Como em Capivari, por exemplo. Tão comum para alguns e essencial para outros, essa experiência é oferecida aos moradores da região há 60 anos, que serão completados neste sábado, 23, pelo Cine Vera Cruz. Sob a direção do empresário Davilson de Jesus Talassi, de 57 anos, por mais da metade de sua existência, a sala integra a rede Centerplex Cinemas (antiga rede São Luis de cinemas).

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E, para eternizar esse marco histórico na Terra dos Poetas, o jornal O Semanário conversou com o proprietário, que contou as novidades para os próximos meses e prometeu uma vasta programação especial ao longo do ano. Relembre um pouco a história do cinema capivariano e saiba o que há de novo no Cine Vera Cruz, em uma entrevista dividida em duas partes.

Jornal O Semanário Regional: Quantos proprietários vieram antes de você?

Davilson de Jesus Talassi: Foram três ou quatro antes de mim. Comecei a gerenciar em 1983, a convite do senhor Moisés Forti, que na época era presidente da Cia Melhoramentos de Capivari S/A, proprietária do prédio até hoje. O último dono tinha cinema em outras três cidades: Porto Feliz, Tietê e Itu. Um dia, o filho sofreu um acidente na Rodovia do Açúcar e morreu. Daí ele ficou desgostoso e fechou a empresa.

Mas não ficou mais de uma semana fechada. Foi só questão de a gente mudar a administração. Éramos três sócios: seu Júlio Forti, Vavá Antoneli e eu.  A gente já tocava o Cine Paratodos, em Rafard, depois do Genaro Vigorito, por isso fomos convidados. O mesmo filme que passava lá em Rafard passava aqui em Capivari, no Vera Cruz. E a gente também pegava o filme daqui e levava para exibir lá.

Mais para frente, eu fechei o cinema de Rafard, porque não tinha público. Era interessante: o ponto de ônibus de Rafard era bem em frente ao cinema (Rua Maurício Allain). Como a gente pegava aqui para exibir lá, a gente via quem estava lá e quem estava aqui. Então nós víamos a pessoa pegar o ônibus em frente ao cinema de Rafard e vir assistir ao filme aqui em Capivari.

Só que tudo em Rafard era melhor que em Capivari. O sistema de projeção era novinho, o som, as poltronas. Seu Genaro tinha reformado o cinema e deixado tudo zero. E o preço do ingresso lá era mais barato. Era tudo melhor lá e, mesmo assim, o pessoal pegava o ônibus e vinha assistir em Capivari. Voltava e descia em frente ao cinema. E não ia ao de Rafard.

O Semanário: Como foi aceitar o desafio de gerenciar um cinema em Capivari?

Talassi: Quando eu peguei aqui, o antigo dono estava em uma crise muito grande. Acho que foi isso que o fez parar, também. Ele não tinha acesso a filmes bons, apenas filmes pornográficos. A programação dele era basicamente essa e já fazia algum tempo que estava assim. E para quebrar isso e começar a exibir filmes de circuito normal foi uma dificuldade enorme.

O público normal estava desacostumado de vir ao cinema. Só esse público específico, de sexo, que vinha. Na frente do cinema tinha cartazes pornográficos. O pai mudava de calçada com a filha para que ela não visse o que tinha dentro do cinema. Além disso, cinema é hábito. Se você começar a ir, você cria um hábito e vai até sozinho. É igual leitura: se você não tem hábito você não vai ler.

Então comecei a exibir filme pornô só de quarta-feira, para não perder esse público e ter receita para manter o cinema. Chegava nesse dia, a sala lotava. Durante a semana não dava nada. Em paralelo, decidi criar o hábito nas pessoas novamente, só que naquela geração eu não ia conseguir mais. Então comecei a trabalhar com crianças, trazendo as escolas de graça ao cinema.

Eu ia a uma determinada escola em uma semana, dava convites e trazia todo aquele pessoal no horário de aula. Fui fazendo isso durante uns dois, três anos. Essa geração começou a se acostumar e a falar para o pai que o cinema era diferente, e a coisa foi indo, até que eu criei um público novo. Isso me deu fôlego e começou a pegar. Daí eu eliminei o filme pornô até de quarta-feira.

A partir daí eu passei a investir no cinema, em reforma. Antigamente, o cinema tinha mil lugares. Tinha a parte de cima e a parte de baixo, e o telão era embaixo. Aí eu limitei. Eu quis trazer o público para um lugar mais aconchegante. Apesar de menor, eu teria condições de oferecer um som mais decente, ar-condicionado e poltronas no lugar das cadeiras duras.

O Semanário: Como é manter um cinema de rua?

Talassi: É super difícil. Hoje, a gente ainda consegue isso em Capivari, porque é uma cidade onde as pessoas ainda conseguem vir ao cinema a pé ou estacionar o carro em frente. Nós ainda temos essa liberdade, essa segurança, ao contrário de cidades grandes. O cinema de rua acabou por causa disso: é o tempo de você sair do carro para ir ao cinema e ser assaltado.

E Capivari não tem shopping. Quando tiver um, com certeza quem criá-lo vai ter a inteligência de fazer uma sala de cinema dentro, porque é isso que move o shopping. O cinema é a maior âncora de um shopping. Hoje, você não abre nenhum shopping sem cinema e vice-versa. Além disso, temos a sorte de ter esse prédio, que foi construído e destinado para isso, e essa sociedade que o mantém. Nós temos de agradecer.

Capivari também comporta um cinema de rua porque é carente de lazer. Se você sair com seu namorado ou esposa, se não for a um barzinho beber ou comer alguma coisa, você não tem o que fazer. E não dá mais para parar o carro em qualquer lugar para namorar, porque não tem segurança para isso. As opções de lazer são muito pequenas na cidade e o cinema acaba suprindo essa necessidade.

O Semanário: Em média, quantas pessoas vêm ao cinema por dia?

Talassi: A sala tem 200 lugares. É difícil falar em número de público, porque depende da programação. Tem filme que não traz público e outro que traz muito. E eu, como programador do cinema, não posso pensar só em público. Eu preciso ter uma variedade de gostos, pois não é todo mundo que gosta de filme de ação, drama ou comédia. Eu tenho de agradar um pouco todo mundo.

Às vezes, alguém fala: “nossa, tal filme está bombando e você não trouxe ainda”. Calma. Primeiro eu preciso agradar um público, que eu ainda não agradei nesse mês. Daqui a pouco eu trago outro filme. Se não o pessoal vai para fora. E eu tenho de segurar esse pessoal aqui.

O Semanário: Por quanto tempo um filme fica em cartaz?

Talassi: A permanência dele vai depender do público. Se estiver comportando público, ele continua em cartaz.

O Semanário: Quantos funcionários você tem?

Talassi: São oito funcionários, contando com as duas faxineiras que limpam a sala todos os dias e mais de uma vez por dia aos sábados, domingos e feriados.

O Semanário: O que é preciso fazer para trazer um filme a Capivari?

Talassi: Esse é um processo que, ao longo desses 32 anos de cinema, a gente foi aprendendo a lidar. O acesso a essa programação não é assim tão fácil. Hoje, as grandes redes de cinema praticamente mandam na distribuição dos filmes. Eu não consigo um filme para Capivari se eu não tiver uma influência lá dentro, uma amizade, e se Piracicaba ou Campinas não liberarem.

Eu consegui driblar isso e fazer com que a programação de Capivari fosse independente. Hoje eu posso trazer o filme que eu quiser. Antes, para eu pegar um filme aqui eu tinha de pedir autorização para Piracicaba. Hoje é bem diferente. Eu sei o quanto eu sofri e ainda sofro para fazer a programação do cinema. Mas graças a Deus hoje é mais tranquilo.

O Semanário: Você monta um calendário mensal de exibições?

Talassi: Eu tenho um calendário básico com os lançamentos do mês e com os filmes que são expectativa de público. É em cima disso. Entretanto, depois que o filme lança é que você tem uma noção do que ele é. Às vezes é criada uma expectativa tão grande em cima do filme, e quando lança não é nada daquilo. E, às vezes, um filme pequeno, daqueles que ninguém aposta nada nele, arrebenta.

Um exemplo é o filme A Culpa é das Estrelas. Ninguém esperava nada dele. Foi lançado como um filme de “Sessão da Tarde”, simples, com cerca de 40 cópias. De repente, na segunda semana, teve de criar mais 600 cópias. Ou seja, é o público que manda, que diz se o filme é bom ou não. É o boca a boca. Pode fazer o maior marketing em cima do filme, se lançou e é ruim, na outra semana já cai lá embaixo.

O Semanário: Qual é a tecnologia usada para exibição dos filmes?

Talassi: A minha tecnologia ainda é a mesma desde que foi inventado o cinema, que é o filme película 35 milímetros. Mas o cinema mundial está mudando tudo para digitalização. Essa película vai parar de ser fabricada; o filme vai parar de ser produzido em película para ser tudo digital. Eu também estou me adaptando a isso, a essa nova tecnologia. E nós temos um prazo.

Até então não existia uma tecnologia que reproduzisse uma imagem de uma película. Uma imagem digital não tinha a mesma qualidade. Hoje nós já temos essa tecnologia. Inventaram um projetor que tem a mesma qualidade da película. E agora eles implantaram essa digitalização em todos os cinemas, o que vai eliminar a cópia de 35 milímetros.

Aqui, minha digitalização está prevista para este mês ou no próximo. Primeiro eu vou inaugurar essa sala com a tecnologia digital, que é a digitalização de som e imagem. Em seguida, acredito que ainda neste ano, nós vamos inaugurar uma segunda sala, lá embaixo, também com tecnologia digital. Será uma sala menor, com cerca de 150 lugares, e independente da terceira sala.

Eu tenho espaço para uma terceira sala, onde está o palco. Lá aconteciam as peças de teatro, apresentações e formaturas na época em que dividi o cinema ao meio para usar somente a parte de cima. Mas essa terceira sala vai ser uma terceira etapa. Futuramente nós vamos reformá-la, também, para termos novamente uma sala de teatros e apresentações.

O Semanário: Quando as reformas começaram?

Talassi: Nós estamos focados nisso desde o ano passado. Estamos na parte de alvenaria, de mudança; estamos concluindo. Acho que neste mês nós concluiremos lá embaixo. Depois passaremos para a etapa de implantação de equipamentos e poltronas. Tudo zero: sistema de som, tela, poltrona, projeção. E acredito que teremos de contratar mais um ou dois funcionários.

O Semanário: É possível comparar a nova tecnologia ao Blu-ray?

Talassi: Não. É melhor que o Blu-ray. A imagem do Blu-ray é para uma televisão de, no máximo, 60 polegadas. Então tem certa qualidade, mas quando você passa para uma tela de 8, 10 ou 15 metros, a qualidade muda completamente, a imagem fica distorcida. Quanto mais aumenta, mais distorce. Conseguir a digitalização da imagem para cinema demorou bastante. A resolução é quase 50 vezes maior que o Blu-ray.

O Semanário: Quanto mede a tela do Cine Vera Cruz?

Talassi: A tela da primeira sala tem oito por três metros.

O Semanário: Qual é o objetivo dessa mudança nos cinemas?

Talassi: Como todo mundo, as distribuidoras de filmes estão buscando reduzir custos cada vez mais. O custo da cópia de uma película de filme gira em torno de R$ 12 mil para a distribuidora. Imagine, então, quanto custa para a produtora um filme que é lançado com 700 cópias. Por outro lado, no digital esse custo cai para R$ 150. Por isso eles têm muita pressa dessa digitalização.

Eles reduzem o custo para eles, mas aumentam para o cinema, porque quem faz essa troca de equipamentos é o cinema. Tem de investir bastante; o valor desse equipamento é muito alto. Mas vai ser bom para todo mundo no final, principalmente para mim, que não vou mais ter restrições para lançar um filme. Hoje, eu só posso lançar um filme em Capivari se ele tiver uma frequência de público que pague a cópia.

O custo para trazer um lançamento é muito alto para o cinema. A empresa à qual nós somos ligados dá apenas o suporte para mantermos o local funcionando. É tipo um sindicato. A gente se reúne para ter forças para reivindicar coisas. A Centerplex me ajuda muito nesse sentido. Eles dão toda a estrutura que eu preciso em São Paulo, cuidam da logística, da programação, de onde eu tenho de buscar uma cópia. Às vezes vem de outro estado.

O equipamento já está comprado. Só não fiz a mudança ainda porque não tem técnico suficiente para atender a todos os cinemas que estão digitalizando. Então eu preciso agendar e esperar que ele venha a Capivari e faça a instalação. Enquanto isso estou deixando tudo pronto, inclusive a parte de eletricidade, para a hora que ele chegar estar preparado para fazer essa transição.

Continua na próxima edição.

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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