Meu querido pai, chegaste hoje aos teus cem anos
tudo se passou como um vento impetuoso e veloz
nas ricas e marcantes linhas do tempo
agora, ao chegar o crepúsculo do teu destino
soam calmarias e brisas suaves, trazendo-te
ao repouso de teus cais, aos sons de nostalgias
de uma orquestra decadente, triste e sem regente;
já não podes navegar; seus passos são lentos,
tua voz baixa e tímida – às vezes, embaraçosa;
teus olhares retraídos e cansados,
à procura de novos cais,
de ventos amenos, sem vendavais.
Teus sonhos se firmaram num pretérito distante;
impossíveis os sonhos sólidos e arrojados de outrora
que se prolonguem as últimas caminhadas dos teus dias,
e mesmo nas horas vazias, não te apresses em ir embora…
As terras lavradas, teus suores derramados
as lutas, as fainas e asperezas do dia a dia,
tuas roupas de campo, tuas mãos calejadas
os sóis inclementes, teus chapéus manchados
as mãos nos arados e tuas mangas arregaçadas
os frios cortantes das madrugadas fumegantes
rompendo barreiras, diques e fronteiras;
teu terno de casimira riscada, exausto e amassado
tuas camisas, gravatas finas e lenços dobrados
esquecidos no emperrado e velho guarda-roupa
das festas, das missas e louvores desafinados
serão eternas e saudosas lembranças divididas
ele, nosso pai querido, que tudo fez para nos
tornar homens e não sermos gauches na vida!
Homem sério, seríssimo!
probo, honrado e correto
sempre justo, justíssimo!
humilde, incansável batalhador
cristão e temente a Deus
de frutíferos e virtuosos legados
o meu querido pai – dedicado esposo,
de passos límpidos e transparentes
sempre sensato, sábio e generoso!
Rendo a ti, minha singela oração,
meus tributos de amor e gratidão:
com meus joelhos dobrados
sob o infinito céu azul e profundo
meu olhar muito longe e ansioso
contemplo meu Deus Poderoso,
pelas tuas virtudes neste mundo!