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A vingança do capataz

Deixei minha fazenda, e uma viagem fui fazê.
Esta fazenda, herança de pai pra filho, nunca se falô em vendê.
Lugar bão, água boa, a pastagem verdejante que se perdia no vê.
Criação sadia, todo mundo conhecia nas redondezas.
Era tudo uma beleza: era só chamá que nóis corria pra atendê!
Tinha vaca leiteira, cavalo de raça, quanta gente vinha pra conhecê.
Tudo isso deixei nas mãos de um capataz.
E o mais importante: deixei aos seus cuidados minha família e tudo mais.
E pra viagem segui em paz,
por minha família eu podia até morrê!
Mas nessa viagem, vou explicá pra você,
meu capataz de confiança, o que será que veio acontecê?
Minha viagem demorada, dormindo pelas estradas,
acabei ficando doente, demorô pra restabelecê.
De volta pra fazenda, foi bem no amanhecê,
fui achando tudo aquilo estranho, parei o cavalo, fiquei sem se mexê.
Sumiu o sentido, vendo tudo desaparecido.
Da porteira da fazenda, debaixo do pé de ipê,
eu já avistava a casa grande, da fazenda, que me viu nascê.
Mas nessa hora pensei que estava sonhando, olhei tudo aquilo se queimando,
senti minhas pernas tremê.
Saí a galope, pulando cerca, porteira, sabe-se lá o quê.
Mas cheguei tarde, só deu tempo de vê:
o telhado se desmoronando, matando minha esposa e meus filhinhos.
Gritei como louco, parecia que o céu fosse descê.
Não vi mais nada, meus camaradas vieram pra socorrê.
Ainda deu tempo de vê o capataz malvado, que acabou ca minha alegria de vivê.
O ciúme, a maldade, não sei o quê.
Dizem que a inveja mata.
Hoje queimado, marcado por fora, mas por dentro ninguém vê.
O capataz meu amigo chegô a me salvá de picada de cobra,
não me deixô morrê!
Botou fogo na minha fazenda!
De madrugada, sem ninguém percebê.
Não pensou na criançada!
Na minha esposa amada, meu bem querê.
Tô perdido, tô sem rumo.
Mas um dia com esse capataz vou me entendê.
Não descanso, nem nessa vida nem na outra se havê.
Mas pode te certeza que ele vai se arrependê
até do dia que foi nascê!
Tô a sua procura, e se alguém sabê e quiser me ajudá
eu vou reconhecê.
Não tenho mais nada, deixei tudo pros camaradas,
nunca mais quis sabê.
De fazendeiro poderoso, hoje vagando desgostoso.
Ah, minha querida Maria, pra levar nosso dinheiro, um caboclo pavoroso,
veja o que foi fazê!
Meus filhinhos, Roberto e Carlinhos, nossa empregada Kitéria, todo o bem que eu mais queria!
Com o fogo foi perecê.
Quando eu chegava de viagem, cansado,
minha mulher, minha família, vinha tudo a corrê.
Já tirando minhas botas, trazendo coisas pra comê.
Era tudo alegria!
Tudo em família: Doroteia, a babá de companhia, Kitéria com a bacia
pra lavá os meus pés.
Quando me lembro fico louco, e sinto que falta pouco pra com esse caboclo me entendê.
Seu moço, tô aqui parado, vejo que ficou assustado, e até arrepiado, com o que acabei de dizê.
Quando esse dia chegá, nada vai se sobrá!
Quem destruiu a minha vida, ele pode esperá!
É assim, seu moço, pode acreditá!
Um fazendeiro afamado, veja o estado que foi ficá!
Não dá pra reconhecê.
Vou continuá vagando, sem vontade de vivê.
Pois nem na vida e nem na morte, eu vou conseguir esquecer,
o que esse ingrato me fez sem eu merecê.
Vou até no fim do mundo!
Pode apostá pra vê…

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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