“Deve servir e vai ficar tão bem em você”
Sorrindo, ela responde: “não tenho como pagar”
A mulher insiste:
“Pode levar. Estou te dando. Ficou lindo na senhora”
Ainda ajuda a arrumar no corpo e completa: “tem até bolsos”
“Pode levar. Explico lá depois”
Ela, então, aceita, e agradece aquela mulher
E sai a caminho da sua casa
Ainda na rua, consegue alguns trocados para o almoço
Chega em casa – mora sozinha, na maior solidão
Duas cadeiras e uma mesinha com uma rachadura do lado
Coloca as coisas que conseguiu para se alimentar e, antes de tirar o casaco, enfia a mão no bolso, pensa:
“Tem até jornal para não estragar o bolso”
Tira o casaco, estende na mesinha
Tira o tal jornal do bolso
E tem a maior surpresa, ou maior milagre da sua vida
Embrulhado no jornal, um pacote de notas de grande valor
Dinheiro mesmo
Para mudar sua vida
Corre fechar a porta
Chora e ri ao mesmo tempo
Joga as notas para cima e grita: “o que foi isso, meu Deus?”
Não sabe o que fazer, se volta no bazar ou chama alguém para contar
Nisso, batem na porta
Antes que ela tentasse guardar aquele dinheiro todo, aquela mulher, a mesma do bazar, já está na sua frente e diz: “calma, isso tudo agora é da senhora”
Tenta explicar que não pode ficar com o dinheiro, mas a mulher continua:
“Se acalma, isso é obra de Deus”
“Seus sofrimentos acabaram”
E vai embora, deixando-a ali, sem entender nada
Por fim, pensa, aceita
Vai se alimentar
Ao amanhecer, o dono da pequena casa em que está acomodada avisa:
“Até agora a senhora podia ficar aqui sem pagar nada. Mas vou ter que vender e daí já não sei o que dizer para a senhora”
“Por obrigação, é lei: tenho que oferecer primeiro para a senhora este imóvel”
Nesse momento, uma pressão no ouvido
Ela leva a mão à cabeça e pergunta: “quanto o senhor está pedindo?”
Na hora, o homem passa o valor
“Pode me trazer os papéis. Eu vou ficar com a casa, não pretendo me mudar”
Surpreso, responde: “pois bem, já volto”
O valor da casa é exatamente metade do dinheiro encontrado no bolso do casaco.