O processo que leva à separação entre a religião e a vida político-social do Estado, chama-se secularização. A princípio, não há um problema nessa separação, uma vez que o Estado deve atuar com independência e equidade nas suas decisões.
Por outro lado, a Igreja deve também poder atuar livremente, sem interferências externas. Quando Igreja e Estado caminham dessa forma harmônica, cada qual atua no seu âmbito próprio e todos os esforços concorrem para o bem comum.
Durante sua vida pública, Jesus deixou clara a separação entre o poder temporal e o religioso, sempre respeitando a autoridade civil: “Dai a César o que é de Cézar e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).
Mas o que não é um problema na espera público-civil, torna-se um problema quando os cristãos separam a sua vida de fé dos seus atos e compromissos público-sociais. A fé, por si mesma carrega um conteúdo moral, que suscita um compromisso do cristão no mundo. Quando falta este compromisso, começa o processo de secularização da fé.
Não é incomum encontrar entre os católicos aqueles que, aceitam e até defendem o aborto e a pena de morte. Também não é raro encontrar batizados envolvidos em escândalos de corrupção ou que buscam favorecimento em seus negócios particulares. Além disso, ainda há situações de exploração de pessoas, do trabalho e do meio ambiente, um claro sinal da separação entre a fé e vida.
Se a fé não é uma decisão que compromete toda a existência do cristão, ela não é fé verdadeira. A fidelidade no seguimento de Cristo é um dos grandes desafios atuais e que mostra uma crise de fé, que coloca em risco a defesa da verdade do Evangelho.
São Joao Paulo II, escrevendo sobre o Esplendor da Verdade, fala da urgência de recuperar e repropor a verdadeira face da fé cristã, que vai além da proposição de regras, mas é um diálogo com Jesus, caminho, verdade e vida. Ele afirma ainda que: “Através da vida moral, a fé torna-se confissão não só perante Deus, mas também diante dos homens: faz-se testemunho” (Veritatis Splendor, 89). Os cristãos e seu testemunho precisam assim aquilo que são pelo batismo, “sal da terra e luz do mundo”.
A confissão e o testemunho da fé cristã sempre foram desafiados pelos acontecimentos de cada época específica, isso não é diferente no nosso tempo.
Hoje, o pensamento racional e a autonomia do indivíduo vêm influenciando cada vez mais o comportamento dos cristãos, marginalizando a fé. Ainda que uma pessoa vá a igreja e receba os sacramentos, na prática, as suas decisões nem sempre são regidas pela fé.
As consequências desse comportamento são grandes: “Uma das raízes da desesperança que assola muitos homens e mulheres na Europa é, certamente, o esforço de uma cultura europeia de construir sua identidade prescindindo de Deus e de sua Revelação, chegando mesmo ao ponto de marginalizá-los e rejeitá-los.
Esta secularização radical que, às vezes, se transforma em secularismo agressivo, é causa de uma fragmentação, uma dissolução de toda ideia de pertença, um grande vazio interior, e uma sensação de perda do sentido da vida.” (João Paulo II, Ecclesia in Europa, 9).
Quando o secularismo afasta Deus da vida cotidiana e da sociedade, ele não é uma cura. Antes de ser um remédio, o secularismo age como veneno que destrói a vida espiritual e os princípios morais que sustentam a dignidade humana e o bem comum.
Uma sociedade que expulsa a religião para âmbito privado, marginalizando os valores transcendentais, perde o senso da verdade e se fragmenta na busca de objetivos passageiros e materialistas.
Sem princípios seguros, a sociedade fica exposta ao relativismo e a falta de esperança, reforça o egoísmo dos indivíduos e tornando-se incapaz de promover a justiça, a paz e a solidariedade.
Os cristãos devem, cada vez mais, enfrentar o desafio da fidelidade a Cristo e a Verdade do Evangelho na cultura atual. Os cristãos precisam marcar o mundo pelo escândalo do seu testemunho de fé, e não pela fragilidade de suas convicções.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba