Opinião

A distância que mata: educação em tempos de pandemia

Dados da Unicef – de 2019 apontam que já 4,8 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à Internet no Brasil, ou seja, cerca de 17% da população desconectada das redes e da web. Desconectados se distanciam do acesso à informação que a rede oferta. E como seria esse distanciamento?

O crescente uso de jogos eletrônicos e das diferentes ferramentas de simulação e interação, como aquelas de realidade virtual, softwares de interação etc, mostram sobretudo o abismo que há entre o dia a dia dos jovens e os atuais programas de substituição das aulas presenciais frente à pandemia do coronavírus – o ensino está dissonante da realidade. Isso sem entrar na questão de que o domínio dos conteúdos foi há tempos substituído pelo mediador de conteúdos, figura essa amparada em apostilas, cuja função está longe daquela do “ser professor”, e que, mesmo com seu material simplificado, encontra uma série de dificuldades em lidar com situação da aula remota. Além disso, tal cenário não é diferente da posição do mediador presencial, que sofre dos mesmos problemas do distanciamento entre as crianças, os adolescentes e os conteúdos. Perverso, esse distanciamento é maior quando comparamos as aulas (chamadas de “ensino a distância”, aula por computador etc), forçadas pelos governos neste momento de pandemia, mesmo tendo em tela os dados sobre os 17% não incluídos digitais.

Em Julho de 2013, dentro do programa de Tecnologia da Informação e da Comunicação na Educação na Universidade Autônoma do México, discutíamos programas e projetos que poderiam ajudar no uso das tecnologias da educação básica. Discuti isso pessoalmente em agendas que foram desde congressos na Universidade de Aveiro, em Portugal, aos oferecidos na PUC e Unicamp, em Campinas (SP), mas também por outras tantas instituições em boa parte do Brasil, entre 2002 e 2019. Em todas as ocasiões mantive alguns preceitos nessas discussões tecnológicas e educacionais. O primeiro deles é de que não há substituição do “domínio de conteúdos – o professor”, mas sim ferramentas complementares a essa função, como é o caso de softwares simuladores e jogos educacionais. Segundo, é o de que as apostilas devem deixar de ser digitalizadas e passem a ser digitais. Sim, pois apostilas digitalizadas são cópias daquelas impressas, e as digitais propõem atividades interativas como os simuladores, a realidade virtual e aumentada, entre outras opções.

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Muitos dos projetos e programas digitais que participei, e que foram implantados, tiveram a chancela de educadores renomados, mas outros obtiveram apenas o aval da alta administração escolar devido à redução de custos. Porém, se o assunto parecia vencido, a lógica do atual cenário frente ao vírus mudou a questão. A lógica inevitável mudou a condição do trabalho, que na versão remota se adaptou e se tornou funcional por imposição do mundo empresarial.

Mea Culpa? Das séries iniciais cobramos quase sempre estruturas prediais, materiais educacionais (guias apostilados), instituições de renome, infraestrutura de tecnologia (salas com computadores), mas nunca antes havíamos pensado na educação digital. Resgato aqui o conhecimento como condição primordial nesta discussão. De caráter coletivo, como já dizia Michael Polanyi, não será possível promovê-lo esquecendo de fazer apelo ao Fortnite, Minecraft, WhatsApp, Instagram, Facebook, LinkedIn etc. Nesta hora a leitura de Negroponte, Pierre Lévy e até Manuel Castells parece necessário, mesmo que esquecido, sobretudo pelos próprios educadores.

O fato que a pressão sobre o lapso educacional causado pela pandemia soergue a discussão sobre a prática sem o devido preparo e planejamento, e aponta a uma ineficiência. As conhecidas condições precárias que escolas e professores da esfera pública sofrem não podem ser realidades na esfera particular. Entretanto, percebe-se que não há diferenças nesse caso, entre essa escola particular (paga) e a escola pública, quando se trata da atual situação de pandemia. As aulas à distância da educação básica oferecidas por escolas privadas e públicas são inevitavelmente ineficientes. Em tom de crítica à escola paga, o que se vê hoje em dia são projetos de ambientes virtuais de aprendizagem não implementados, ou seja, estão no portfólio, mas não funcionam efetivamente.

A saída mora em investimentos educacionais que associe a figura do produtor de conteúdos com o construtor de cenários interativos. Para os professores e mediadores plataformas como o Construct, que não exige conhecimento avançado em programação, pode ser o caminho para o desenvolvimento de alguns desses cenários digitais.

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Paulo Elias (Foto: Arquivo pessoal)

Paulo Elias, graduado em Tecnologia pela Unimep, mestre em Ciência da Informação pela PUC Campinas, professor desde 1998, atua em diversas universidades da região. Atualmente é consultor de tecnologia e desenvolvedor de software de gestão empresarial

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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