J.R. Guedes de Oliveira

A Democracia

Sobre a democracia, guardo e leio constantemente o que escreveu o educador Prof. Augusto Castanho (1849-1910). Sendo uma das mais belas e progressistas figuras de Capivari, o insigne pedagogo deixou relevantes serviços educacionais na cidade, sendo, portanto, merecedor das honrarias que lhe prestam, principalmente na perpetuação do seu nome à Escola Municipal “Augusto Castanho” que, em tempos pretéritos, se situava na rua XV de Novembro com a rua Barão do Rio Branco e, hoje, na rua General Osório, com a rua João Vaz.

Augusto Castanho deixou escrito um célebre livreto com o título de “Conferências Pedagógicas”, bem como alguns contos, artigos e reflexões estampadas, principalmente, no jornal “Gazeta de Capivari”. Aliás, é deste jornal, datado de 7 de junho de 1914, ainda tendo como seu proprietário e redator o Dr. Francisco Luiz Gonzaga, que retiramos esta peça literária, profunda, sempre importante e atualíssima: Democracia:

“Não há prova mais característica de subordinação atávica do que a resistência insofrida contra a influência de tempo e meio, a que devemos todos as reivindicações liberais, que assinalam o grandioso evoluir da humanidade no planeta que habitamos.

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Deixar-se atoar pelo atavismo, fruindo o descanso da inércia nos remansos tranquilos do consumado, é furtar-se à lei do progresso, aumentando o acerco das estratificações condenadas; é constituir-se marco de pedra nos estádios da civilização, que luta, avança, não para, não cansa e não cede.

Resistir, pois, às inclinações de atualidade, antepondo-se temerariamente aos reclamos do sentir novo cosmopolita, sem craveiras de competência, nem limites de indagação, é ser tão revolucionário como os que se deixam arrastar nas vertigens da novidade sem meditações nem confronto.

A continuidade e a solidariedade são forças naturais, indestrutíveis; são pendores necessários na equação da vida humana.

Sempre que se encontram produzem fenômenos de maior ou menor importância social, mas somente o encontro dessas duas forças naturais, indestrutíveis, determina a força resultante, que se chama evolução.
Se evitar o encontro delas é aventura impossível, reagir contra o progresso é aspiração visionária.

Daí o reconhecimento da nossa contingência, aí o ensino da tolerância, fator de compensação que regula a ordem nas sociedades cultas, onde a lei, o direito e a justiça são garantidas a todos, sem distinções odiosas, sem exclusivismos revoltantes.

Por isso os convencidos cedem e os oprimidos se rebelam.

Por isso o convencimento dita a paz, enquanto a opressão fomenta a revolta.

Porque todos nós, ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, crentes ou descrentes, temos direito à vida, temos ardor social e, portanto, aspirações legítimas.

Mais ainda, porque todos nós, naturais ou adventícios, monarquistas ou republicanos, governistas ou adversários do poder, temos direito incontestável à liberdade, que não é nunca foi, nunca será a esmola dos governantes, mas a suprema conquista dos homens de ação, que não comungam nas aras do fetichismo morfológico.

Tiradentes foi republicano, Antônio Bento era monarquista; Frei Caneca era crente e Benjamin Constant foi ateu.
Entretanto, todos eles foram campeões da liberdade, todos eles foram apóstolos da democracia.

E foi justamente a incoerência dos princípios com os atos, notada nos grandes pensadores, nos mártires da civilização e nos beneméritos da humanidade, que levou Spencer à descoberta:

“Não são as ideias, são os sentimentos que governam as sociedades.”

E como todos os homens sentem, quer queiram, quer não, todos devem e podem governar.

A isto se chama democracia e por isso eu sou somente democrata.”

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