Rubinho de Souza

Eu e minha caixinha de engraxar

O meu passado, como muitas vezes já disse, não foi em quase nada diferente da maioria dos meus contemporâneos ou ainda mesmo de outras pessoas, cuja diferença de idade é relativamente pequena em relação à minha e de meus colegas de época.

Essas pessoas que nos dias de hoje estão – como eu estou – mais perto de “dobrar o cabo da boa esperança” porque já subimos nossa escada, o quanto de degraus o Criador permitiu e, agora, assim como subimos, estamos a descê-la, degrau a degrau, como manda a inexorável lei da nossa existência.

Mas, caro leitor amigo, deixemos de vãs divagações, e tratemos de coisas mais amenas, às quais quero aqui compartilhar com vocês, recordando e contando um pouco de minha humilde existência, cujas recordações foram despertadas ao ver a foto que ilustra esta publicação.

Lá pelos idos dos anos 60, depois que eu saia da escola, chegava em casa, almoçava, e, pegava a minha “caixinha de engraxar” e lá ia eu, na Praça da Bandeira ou em frente o Cine Paratodos engraxar sapatos. Quem é dessa época, há de se lembrar que a maioria das pessoas usavam sapatos, e todos gostavam de exibi-los bem lustrosos.

Aqueles que se recusavam ao serviço oferecido, a gente oferecia um lustre com a escova para tirar a poeira. E, quase sempre, vendo nossa boa vontade – digo nossa – porque havia outros meninos que também engraxavam, o cliente dizia: – Pode engraxar vai, que eu pago você! Mas olha lá, se sujar minha meia, não pago!

Mas quem foi engraxate se lembra que o principal cuidado de nós engraxates, era com as meias dos clientes e lembro que a gente colocava um papelão previamente cortado, que protegia a meia no caso de um deslize da escova suja de graxa, e assim o cliente ficava contente com nosso serviço.

Ao final do dia, ao chegar em casa, alegre, por ter conseguido ganhar uma boa soma, entregava o dinheiro ao meu pai, que depois de contar e me elogiar, tirava uma parte e dava para eu comprar doces, guardando o restante para as despesas da casa.

É gratificante relembrar a alegria que eu via estampada no rosto do meu pai, satisfeito em ver que seus ensinamentos e seus exemplos estava sendo frutífero, como alguém que está construindo uma casa, e sente orgulho de ser seu artífice e construtor…

Quando cheguei na adolescência, passei a trabalhar com minha irmã na Sorveteria do Mesaque Rodrigues da Silva, no prédio, onde hoje funciona a Casa de Peças Quibao & Brescine, na Rua Marechal Deodoro da Fonseca. E lá passamos uns bons e alegres anos de nossa vida.

Passados alguns anos mais, certo dia meu pai me chamou e disse que iria me ensinar sua profissão que era as de cortar cabelos. No início, confesso que relutei em aceitar a aprender a profissão com a qual meu pai criou seus nove filhos, mas acabei aprendendo e a exerci por mais de vinte anos. Até hoje sinto saudades da barbearia onde fiz grandes amigos, cujas amizades perduram até hoje…

Terminando o Colegial, prestei vestibular na Faditu, onde “fazia” Direito à noite e continuava a trabalhar durante o dia na barbearia do meu pai, cujos ganhos me deram condições de custear minha Faculdade.

Hoje aos sessenta e cinco anos de idade, exerço a profissão que sempre sonhei, mas isso não me fez esquecer o início de tudo tampouco esqueci dos ensinamentos do meu pai, e ainda hoje ao olhar a foto, lembro com saudades da minha “caixinha de engraxar” que foi onde dei meus primeiros passos rumo aos degraus da escada que é a nossa vida.logo do fundo do baú raffard

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