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Contos do Caipira: Lourenço e Tubia

Um dia,
isso já faz muito tempo, quando o rádio aparecia,
seu Lourenço, bão de prosa, cunversava com todos que passava,
até com quem num conhecia.
Era difice de saí da prosa, que deixava quarqué um nervoso.
E se tivesse pressa, virge Maria!
Era um passo pra frente, e seu Lourenço mais prosa queria.
E quando apareceu o rádio, nossa, que alegria!
Seu Lourenço tratô logo de compra o seu rádio a bateria!
Num perdia um programa. Sabia tudo o que acontecia.
Aí é que piorô tudo: cada um que ele encontrava já puxava prosa,
já comentava das notícia que ouvia.
Os violeiro então, rá!
Nenhum ele perdia: o Edgar de Sousa, Zé Fortuna e Pitangueira.
Aí é que ele gostava dos drama que Zé Fortuna apresentava.

Bão,
Foi numa dessas cunversa que seu Lourenço encontrô um que parecia ser do seu jeito.
Gostava de uma prosa, e dos causo até se ria!
Seu Lourenço gostava, e quanto mais corda dava, mais seu Lourenço prosseguia.
Seu Lourenço tratava todo mundo com muito respeito.
E só chamava os amigo de cumpade.
Num dia, ele só falava no tar do rádio a bateria!
Esse cumpade, que tamém gostava de uma prosa,
tomava até uma pinguinha com seu Lourenço, que oferecia.
Esse amigo, o tar cumpade, seu nome era Tubia.
Era novo ainda, gostava dos causo e prosa do seu Lourenço.
Até que um dia… seu Lourenço falô:
“Ói, cumpade, eu gosto de cunversá.
E como eu vivo muito sozinho, num tenho famia,
comprei esse rádio pra minha companhia.
E é por isso que eu gosto de prosiá cum tudo os amigo que encontro durante o dia.
Mais ocê, cumpade Tubia, é diferente.
Ocê me dá mais atenção, nunca me feiz desfeita.
E eu sinto alegria!
Eu já tô véio, mais pra lá do que pra cá.
Por isso, se arguma coisa me acontece,
um presente eu vô te dá!”

Seu Lourenço gostava de fazer agrado.
Dava verduras, frutas pros amigos,
e tinha que aceita, se não ele se ofendia!
Seu Lourenço começô falá, e o caboclo Tubia parô e ficô pensando,
mais não disse que queria.
Seu Lourenço falava do seu rádio a bateria!
Dizia que quando ele partisse pra outra vida
deixaria o rádio de presente, e recusá não podia.
Ficô assustado o Tobia, mas respondeu:
“Ara, seu Lourenço!
Num pensa nisso, não!
O sinhô tá aí cheio de alegria!”
Mais que seu Lourenço repetia: “o rádio será seu quarqué dia”.

E foi passando o tempo, os dias.
Se encontravam, batiam aquele papo!
E seu Lourenço vira e mexe dizia: “quando eu morrê, o rádio é seu!
O rádio a bateria. O rádio e bão, ein?
Estima que é bão!”
Numa manhã, o Tubia precisô saí, foi pra venda, e lá comentô com o seu Garcia:
“Ué, passei na frente da casa do seu Lourenço e nem sinar dele.
Neste horário eu vejo ele todo dia!”
O seu Garcia ainda falô: “é nada, não!
Deve tá escuitano rádio”. E ficô por isso mesmo.
Comprô o que tinha de comprá e vortô,
fazendo o mesmo caminho que fazia.
Passô na frente da casa do seu Lourenço, chamava, mais ninguém respondia.
Nisso foi passando o Serafim de charrete, e parô pra vê o que acontecia.
“Ô, Serafim, tá estranho!”
Bamo vê, homem!
Será que acunteceu arguma coisa com o seu Lourenço?”
“Bamo vê, mais ele deve de tá durmindo!
Vamo dá a vorta pelo terrero e batê na janela.”
E assim fizeram. Ninguém respondia. Logo chegô o vendero seu Garcia, que já ficô cismado.
Dicidiram arrombá a porta, e foi aquele o triste dia!
Seu Lourenço, ouvindo o rádio, passa mar e ali sozinho falecia.
E a respeito do rádio, todo mundo já sabia:
O Lourenço contava pra todo mundo que passava que o rádio, quando ele partisse, seria do Tubia.

Fizeram o velório, o enterro saía, e chegô o outro dia.
Como seu Lojrenço num tinha famia, e pouca coisa ele tinha, resorvero chamá o Tubia pra ir lá na casa do falecido e pegá o rádio, que por direito devia.
Levô pra casa o rádio, mais como num tinha custume e num conhecia,
guardô na cristaleira, e foi passando os dia.
Numa noite, quando dormia, o Tubia pensô: “quarqué hora eu vô ligá esse tar de rádio!
Mais tem que levá lá na venda do seu Garcia pra carregá a bateria.
O rádio acumulador”, como todos diziam. E pegô no sono.
O rádio desligado, acumulador descarregado, e o caboclo dormia…
Meia-noite levantô assustado o seu Tubia!
Saiu correndo pra cozinha e quase desmoronô
com o que via e ouvia:
Tava lá sentado, numa cadeira, o seu Lourenço, falecido, com o rádio ligado.
Quietinho perto do rádio, e nem se mexia.
Tubia deu um sarto pela janela. De susto quase morria!
Mais corria tanto que nem a voiz num saia!
Acordô a vizinhança inteira
pra tentá contá que seu amigo Lourenço tava lá grudado no rádio,
Numa cadeira, sentado na cozinha.
Ninguém quis ir lá pra conferir, e ninguém sabe como, mais o tar do rádio foi pará lá na casa do seu Lourenço.
E quem se arrisca a passá por lá, se escuita baixinho o rádio falando sozinho, e sem bateria.
O Tubia num quis mais nenhum rádio a partir desse dia!

Mais aí fica a pergunta:
Se era gosto do seu Lourenço dar de presente o rádio ao Tubia,
Por que ele vortô? E o que ele queria?

É só mais uma história que Toninho Junqueira imaginô,
escreveu e transformo em poesia.

Toninho Junqueira

Toninho Junqueira é locutor há mais de 40 anos, escritor e restaurador de cadeiras antigas e imagens sacras. Desde 2021, conduz sua própria rádio, a São Gonçalo, com 24 horas de programação sertaneja raiz. Fale com o autor por telefone ou WhatsApp: (19) 99147-8069.

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