Mesa redonda realizada no Ceunsp, na quarta-feira (29), abriu a 6ª edição da Semana Cultural Ettore Liberalesso
A necessidade de enfrentar a situação crítica pela qual passa o jornalismo nos moldes como ele existiu nos últimos 30 anos e a certeza de que há espaço para a sobrevivência da atividade foram os consensos a que chegaram quatro profissionais, reunidos pela Academia Saltense de Letras para uma mesa redonda, nesta quarta-feira (29), no Ceunsp, na abertura da 6ª edição da Semana Cultural Ettore Liberalesso, que celebra um dos fundadores da entidade.
Mediada pela jornalista Mirna Bicalho, a mesa redonda “Os desafios contemporâneos da imprensa no interior” reuniu os acadêmicos e jornalistas Rose Ferrari, Cadeira 38, patrono Mário Quintana, editora-chefe do jornal Mais Expressão, de Indaiatuba, e Eloy Oliveira, Cadeira 31, patrono João Cabral de Melo Neto, editor responsável pelo jornal Primeira Feira, de Salto, além dos professores do Ceunsp, o jornalista Rodrigo Augusto Tomba e o radialista Henrique da Silva Pereira, e uma plateia de cerca de 100 estudantes da universidade.
Também esteve presente assistindo o secretário de Esportes da Prefeitura de Salto e jornalista Valdir Líbero.
A presidente da Academia, Anita Liberalesso Néri, abriu a solenidade informando da sua alegria de estar à frente dos trabalhos em um evento que homenageia o seu pai, que é uma figura de destaque para a história de Salto e região e também para o jornalismo regional.
“Estamos dando, com essa Semana Cultural e principalmente com essa mesa redonda de hoje, visibilidade para o lado jornalístico do Ettore, mas vamos falar também sobre o que tem impactado a nossa produção como escritores hoje”.
O professor e assessor de Gabinete da reitoria do Ceunsp, Gilmar Cardoso, representou o reitor Marcel Fernando Cardozo, que não pode comparecer devido uma visita de técnicos do Ministério da Educação para avaliação dos cursos oferecidos pela instituição. Após a abertura oficial pela presidente da Academia Saltense de Letras e pelo representante da reitoria, o acadêmico Marco Ribeiro, Cadeira 1, patrono Ettore Liberalesso, falou sobre a importância do historiador para a Academia e para a cidade.
O debate
Durante as discussões da mesa redonda, a acadêmica Rose Ferrari ressaltou que as redes sociais deram ao leitor a impressão de que não é mais necessário pagar por uma assinatura ou por um exemplar de jornal para ter acesso à informação de qualidade, mas que isto é necessário sim.
Para ela, toda informação gratuita que chega às mãos do leitor deve ser encarada com receio.
“Quem está pagando por essa informação? Qual é o interesse dessa pessoa ou empresa em me dar acesso a esse conteúdo? Dificilmente sabemos”.
A jornalista enfatizou que acredita no jornalismo como atividade e disse que é preciso encarar as dificuldades surgidas dessa nova realidade de convivência com redes sociais.
“Jornalismo reflete a sua época. A época em que eu me formei a postura era diferente. Hoje impera quem paga.
Quem paga manda. Mas eu acredito que temos de enfrentar esse momento e aprender com ele”, disse ela.
Para o jornalista Eloy Oliveira, é enganoso encarar o jornalismo como uma atividade em extinção.
“O que acontecia quando a profissão foi regulamentada no regime militar, era que se queria saber quem eram os jornalistas.
Hoje, principalmente com a derrubada da exigência do diploma para exercer a profissão, não há interesse algum em se saber quem são os jornalistas.
Mas jornalistas são fundamentais para a sociedade”.
Ele ressaltou que defende a tese de que não existem fake news praticadas por jornalistas.
“Jornalistas produzem notícias e isto implica em ouvir os dois lados, apurar a fundo e trazer a verdade dos fatos.
Quem pratica fake news são ativistas, cujos interesses estão por trás de todas as suas ações. Um ativista político quer convencer o eleitor que o seu candidato é o melhor.
Por isso, precisamos estar atentos à fonte da informação. Informações gratuitas como disse a Rose são sempre suspeitas”.
Democracia
A opinião foi compartilhada pelo jornalista Rodrigo Augusto Tomba. Para ele, sem jornalismo e sem jornalistas, a sociedade fica à mercê de ditadores sob todos os aspectos.
“Não podemos perder de vista o jornalismo, que é a base da democracia. Vimos recentemente como isso é importante no episódio das eleições presidenciais.
O mercado para jornalistas está aquecido. Temos de encontrar o equilíbrio sobre como exercer a profissão sem perder a nossa base”.
O caminho para o radialista Henrique da Silva Pereira está na educação.
“Temos de mudar a educação. Levar aos estudantes a compreensão das mídias.
Entender o processo para participar mais ativamente dele”, defendeu ele durante a discussão.
Na avaliação de Silva Pereira, cada vez mais o mercado exige que o jornalista tenha mais competências. Até para enfrentar essa concorrência com as redes sociais e as outras mídias.
“Se antes tínhamos jornalistas especialistas em textos, hoje temos de ter conhecimento em edição de vídeo, em tratamento de fotografia e muito rapidamente também em programação”, disse ele.
Rodrigo Tomba afirmou que muito se fala em formação complementar para jornalistas, mas ele defende que o jornalista precisa estar apto a produzir conteúdo de qualidade, com responsabilidade e conhecimento.
“Por isso, eu recomendo que os jornalistas leiam muito e que se informem muito sobre tudo o que acontece.
É preciso ter esse conhecimento para poder escrever melhor. Leiam os clássicos, escrevam”.
Na visão do jornalista Eloy Oliveira, o caminho para o jornalismo sobreviver em meio a tanta concorrência e tanta evolução na forma de se levar a informação ao leitor é segmentar a produção e descobrir um nicho de negócio.
“Muito se fala que os jornais impressos vão acabar por causa da rede social. Falava-se isso do rádio por causa da televisão.
O mesmo do cinema por causa do streaming. Não concordo. As mídias se adaptam. É preciso ser necessário. Encontrar o seu nicho”, disse.
Perguntas
Ao longo da mesa redonda, estudantes da plateia fizeram perguntas aos debatedores e procuraram mais esclarecimentos sobre o tema.
Entre as perguntas, uma estudante quis saber como consumir as redes sociais e a avalanche de informações que recebe diariamente.
Os profissionais explicaram que é preciso filtrar as informações.
“Muita coisa chega todo momento, mas nem tudo é necessário nem aproveitável e por isso é preciso separar o que presta”, disse Rodrigo Tomba.
Henrique da Silva Pereira se confessou um antenado compulsivo.
“Eu tenho dois celulares e um relógio que fica conectado me dando informação.
Sempre ficava avaliando que perderia alguma coisa se não olhasse as notificações, se não respondesse à luz que pisca informando que chegou algo. Mas estou me desligando agora.
Já não uso o relógio o tempo todo”.
A revelação encontrou simpatia na plateia, que vive esse momento de conexão intensa, um mal e um bem dos tempos modernos, como definiu a estudante que perguntou.
Em outra pergunta, a plateia quis saber sobre como tratar as imagens que hoje podem ser modificadas e o são na maioria das vezes.
A resposta dos profissionais foi que não há como se estabelecer um selo de autenticidade nem de carimbar que determinada imagem foi alterada.
“O melhor a fazer é conhecer o processo e entender as mídias. Precisamos trabalhar a educação para que os nossos alunos saibam como operar”, disse Silva Pereira.
Ao final do encontro, a mediadora Mirna Bicalho pediu uma conclusão, mas os participantes foram unânimes em dizer que não daria para fechar em uma conclusão única.
A não ser a de que há necessidade de se enfrentar a concorrência acirrada e de que o jornalismo ainda vai sobreviver a tudo o que está passando.
“A nossa força é a nossa base, que é a construção do equilíbrio entre a ética e a verdade, que nos garantem a democracia”, disse Rodrigo Tomba.