Como já vimos, inferno é palavra latina correspondente à grega hades e à hebraica sheol que significam cova onde são sepultados os mortos. Linguisticamente não existia um lugar onde os mortos estariam conscientes, sofrendo castigo eterno chamado inferno.
Os mitraistas adotaram a crença nos deuses hindus Shiva e Yama que castigavam a entidade sobrevivente ao corpo adaptando-os ao deus Arimã e aos deuses gregos Hades, Tartarós e Caco e aos romanos Vulcanus e Plutão, todos com a mesma função de administrar os mortos, castigando-os conforme suas obras enquanto vivos.
Como se sabe, houve uma aculturação entre romanos e gregos desde a helenização por Alexandre (330 a.C.) intensificando-se com a expansão do império romano em 146 e com o imperador Adriano (117-138).
As influências hindu e mitraista são notórias na filosofia de Platão (427-347 a.C.). No seu Mito da Caverna Platão revela um ser espiritual (alma, ou espírito) perfeito e imortal do “Mundo das ideias”, que se encarna e aprisiona-se, num corpo mortal, imperfeito, do “mundo das trevas” e o aprisiona nesta caverna.
Esse dualismo do ser humano: alma e corpo, mundo das luzes e das trevas, céu e inferno é a ideologia hindu-mitraista.
É conhecido de todos que nesse período até o séc. 4 d.C. o império romano assimilou esse pensamento dualista. Vimos nos artigos anteriores como os imperadores desse período não só eram mitraistas, mas legislaram favorecendo tal ideologia, construíram templos aos deuses Sol, Azera, Mazda, Mitra, adotaram a guarda do domingo em honra ao deus Sol substituindo o sábado cristão e o dia 25 de dezembro homenageando o nascimento do mesmo deus mitraista.
Porfírio, um dos maiores estudiosos e propagadores da filosofia platônica, foi seguido de perto por Santo Agostinho (354-430), bispo da igreja Católica em Hipona, Norte da África. Em suas obras, principalmente “A Cidade de Deus” e “Confissões” ele apresenta a teoria da iluminação, que é a ideia dos dois mundos (de Platão): as Verdades Reveladas (mundo da luz, das ideias) e o Mundo Material (Mundo das Trevas).
O Mundo das Verdades Reveladas são os conhecimentos que Deus nos deu, é o mundo da Alma. O Mundo Material é o do corpo, onde se concretiza o pecado, portanto é a reprodução das ideias pagãs hindus, mitraistas e platônicas.
No dualismo agostiniano Deus é eterno e único Criador, e como é somente Bom e Belo, só pode criar o bem e nunca o mal, consequentemente o mal não existe. O mal é a ausência do Bem, ausência de Deus e da obediência à lei de Deus.
O homem tem alma imortal e o corpo mortal, a alma tem de se aproximar de Deus para obter o bem, de outra forma, o corpo a levará ao pecado, ao mal, e ao inferno.
Essa filosofia se estendeu pela Idade Média e foi adotada por Tomás de Aquino e outros, e foi muito explorada pelo clero, que aterrorizava o povo com a ideia de um inferno em chamas e os demônios a atormentar aos perdidos com um garfo tridente.
Dante, contemporâneo, descreve o horripilante sofrimento dos infiéis, tentações do Maligno se tornaram lugar-comum nos textos hagiográficos.
Essa expectativa de terror facilitou a venda de indulgências e avultou a corrupção dos padres a tal ponto que venderam penas e ovo do Espírito Santo, vento que soprou para Elias, tanta madeira da cruz de Cristo que dava para construir um navio, mercadejavam indulgências por meio de bancos, engordando as contas do Vaticano e dos padres vendilhões.
Para Agostinho e para o platonismo o corpo, é a prisão da alma no mundo das trevas e do pecado, portanto, a forma de vida humana deve ser ”etérea, espiritualizada”, e não física, corpórea, pois a matéria é apenas um invólucro desnecessário da alma, é um empecilho na busca pela verdade.
A filosofia platônica e a neoplatônica quanto ao inferno se opõem à bíblica. O conselho de Deus é “Examinai tudo e retende o bem” (1Tes. 5:21). Neste tempo de criticismo, sábio não é quem lê, mas quem lê e depois de ponderações, tira conclusões maduras e pessoais que o torne emocional, mental, espiritual e fisicamente melhor. Pense
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim, professor de Filosofia, Ética e História. Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal. São de inteira responsabilidade de seus autores.