Quando somos crianças e jogamos futebol nos mais diversos ambientes o melhor da turma é aquele que tem o gesto técnico mais bonito, mais apurado: o melhor é aquele que dribla mais, que chuta melhor, que faz mais gols e etc. Se pegarmos o futebol profissional “antigo” – de cerca de quinze, vinte anos atrás – isso quase sempre também acontecia. O grande jogador era aquele que mais aparecia pra torcida, que dava ‘caneta’ nos adversário, que dava chapéu e por aí vai.
Essa máxima não se alterou por completo. Explico: o talento sempre vai prevalecer. O jogador que desequilibra será bem vindo no futebol de qualquer época. Mas duas coisas importantes mudaram: esse jogador talentoso passou a ser ainda mais reverenciado quando usa sua técnica em prol da equipe e aquele jogador que pouco aparecia, que não tinha um jeito de tocar na bola e até de correr tão plasticamente dentro do padrão, mas que apresenta uma eficácia gigantesca pra resolver problemas, passou a ser mais valorizado.
O contexto tecnológico nos permite observar jogos e jogadores do mundo todo. É possível contabilizar jogadas e movimentos com e sem a bola de todos. E mais: se algum lance nos impressiona voltamos rapidamente a imagem e destrinchamos todos os pormenores. Diferentemente de antes que um “olheiro”, por exemplo, ia pelos campos desse mundo e tinha uma, no máximo duas impressões do jogador.
Esse avanço na análise nos leva a saber quais jogadores resolvem os problemas de maneira mais eficaz em todas as fases do jogo. Nos permite observar quem faz a leitura correta das jogadas. Conseguimos saber quem toma as melhores decisões. Quem se comunica melhor com o jogo, companheiros de equipe e tira vantagem disso diante dos adversários. Com isso, os treinamentos tendem a evoluir e se não é possível e talvez nem mais necessário aprimorar o gesto técnico em sua plasticidade é totalmente inteligente criar mecanismos para os jogadores terem respostas mais rápidas e eficientes ao que o jogo apresenta.
Esse ponto específico da tecnologia com o avanço da análise quantitativa e qualitativa é um fractal de vários aspectos do jogo que mudaram. Há inúmeros outros. Mas a valorização de jogadores que no “futebol antigo” eram tidos, talvez, como ‘desengonçados’ ao correr, passar, driblar e chutar, mas que com um olhar mais criterioso e amplo nos revelam coisas surpreendentemente positivas e complexas é uma das grandes vitórias do futebol tido como moderno.
ARTIGO escrito por Marcel Capretz
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