Não há bola de cristal. Não há maneira de prever o futuro. Mas há fatos para serem analisados. Há comportamentos e condutas que permitem que tenhamos olhares e pontos de vista sobre o que vai acontecer. E temo pelo 2019 do São Paulo e do seu atual treinador, André Jardine. Não por ele. Mas sim pelo clube. Hoje o Tricolor do Morumbi é um terreno seco. Dificilmente o que é plantado nele vingará.
Jardine é um estreante no futebol profissional. O que o torna uma verdadeira incógnita. Reconheço seu excelente trabalho nas categorias de base. Cansei de ver suas equipes jogando um futebol vistoso, privilegiando a posse de bola, formação de triângulos para sua conservação, marcação em bloco alto, uma rápida pressão pós-perda na transição defensiva. Enfim, sempre vi ideias e conteúdo no trabalho dele. E o seu discurso assim que foi efetivado no profissional do São Paulo valorizando a intensidade nos treinamentos também me encheu de alegria. É raro ouvirmos pessoas salientando a importância da preparação para o alto rendimento. Porém comandar um clube grande como o São Paulo requer mais do que um bom trabalho em categorias menores.
A decisão da diretoria são-paulina em colocá-lo no comando faltando cinco jogos para o término do Brasileirão, buscando criar o famigerado ‘fato novo’, já demonstra de cara uma gigante falta de convicção. E para alçar um treinador das categorias de base ao time profissional (é verdade que Jardine foi auxiliar de Diego Aguirre em 2018) é necessário conhece-lo bem. Não me parece o caso.
Jardine pode fazer um grande trabalho em 2019. Até torço para isso, já que precisamos de novos profissionais para oxigenar nosso futebol. Entretanto ele terá que mostrar novas competências. Futebol de base não dispõe de dois elementos que mudam completamente o ambiente que se tem no profissional: imprensa e torcida. A administração desses dois ingredientes é muitas vezes a tarefa mais complicada de se fazer. Outra coisa é o capital simbólico: no profissional seus títulos na base pouco valor terão. O convencimento dos atletas – adultos e não mais meninos – terá que começar do zero. O inconsciente coletivo, também nefasto, terá um silêncio ensurdecedor perguntando: ganhou o que?
Toda regra tem suas exceções. Jardine pode se mostrar um grande líder, administrando bem os recursos e conflitos naturais de todo vestiário de time grande. Pode fazer os jogadores comprarem suas ideias e construir através de treinos modernos e intensos comportamentos de jogo que conduzam o São Paulo a vitórias que há tempos não vem. Mas olhando daqui, de fora, da janelinha, e sem ficar na cômoda posição neutra, assumindo uma posição com base nas minhas convicções, diria para o são-paulino esperar um 2019 como foram os anos recentes: sem grandes conquistas.
Ganhou é bom, perdeu não presta?
Existem vários perfis de treinador. Desde a parte de campo, envolvendo ideias, conceitos e metodologias de treinamento. Passando, também, por questões extracampo como perfil de liderança, comunicação e gestão dos recursos humanos. Não creio em um só modelo de sucesso. É possível ser vencedor, por exemplo, flutuando entre um jogo que privilegia a posse de bola como também dá para ganhar sendo reativo. No próprio perfil de comando, o líder bem sucedido é aquele que tem a flexibilidade de tratar cada integrante da equipe de uma maneira: há pessoas que são motivadas para fugir de uma dor; outras se motivam ao buscar alcançar a glória. Triunfa o gestor que sabe perceber cada um e lidar da maneira mais eficaz, respeitando as individualidades e diferenças.
Partindo então do pressuposto de que não ter perfil melhor e pior e sim perfis diferentes cabe a cada clube saber exatamente o que quer e a partir de uma filosofia buscar o nome que mais se encaixe. Certo? Não aqui no futebol brasileiro. Clubes mudam de treinador a todo momento. No mundo inteiro. Mas em nenhum outro país o número três é tão cruel como aqui: três derrotas consecutivas e não há processo de construção de modelo de jogo e muito menos contrato que seja respeitado.
O meu ponto aqui não é criticar as demissões. Não sou contra demitir um treinador. Desde que haja conhecimento e embasamento técnico suficientes para avaliar se um trabalho está sendo bem feito ou não. A minha indignação é ver sempre a mudança brusca de perfil sem o menor critério. Se uma equipe está mal com um treinador que gosta de atacar o seu sucessor será um profissional que privilegia a organização defensiva. Ou se os resultados ruins estão vindo com um líder paizão, que abraça os jogadores vem um treinador ‘linha dura’, de pouco diálogo. Tudo em curto espaço de tempo, segundo a linha dos famigerados três jogos.
Essa falta de convicção dos dirigentes brasileiros é um dos motivos da falta de ousadia de boa parte dos nossos técnicos. Buscando se manter no cargo eles optam pelo mais simples, sabendo que o resultado tem que vir a qualquer custo e que não há tempo para criar um jogo elaborado e sofisticado. É claro que a falta de qualidade do nosso futebol é complexa e sistêmica e teríamos que abordar outras matérias como calendário, categoria de base, qualidade dos gramados, estrutura dos clubes, dentre outros. Mas nada para mim é mais urgente do que quebrar essa casca de alguns treinadores como escudos para dirigentes que não sabem nada de bola.
ARTIGO escrito por Marcel Capretz
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