Já vimos noutros artigos que os europeus ficaram extasiados com a descoberta das terras orientais devido à suas riquezas e muito mais pelos fantasmagóricos mitos sobre o jardim do Éden e seu elixir de longevidade, saúde e rios de ouro. Com a descoberta da América, essa fonte de delícias despertou a avidez luso-espanhola por este novo paraíso. É curiosíssima a lenda de Tomé, disseminada por todo o Oriente, como seu pregador, milagreiro e com façanhas fantásticas. A lenda acontece em duas fases: primeiro no Oriente e mais tarde na América, com ênfase no Brasil. Tomé é conhecido como o apóstolo descrente de Cristo. Na verdade, ele havia dito que só creria na ressurreição de Cristo se pudesse ver e tocar em Suas feridas, o que fez quando Jesus o encontrou, oito dias após sua declaração. Foi um pecado de Tomé (João 20:24-29), assim como Pedro teve os seus (João 18:15-18,25-27); e nós temos os nossos. Vamos basear nosso relato no “Visão do Paraíso” do respeitado Sérgio Buarque de Holanda. Desde antes do início da Idade Média “fabricavam-se” lendas para um povo crédulo e sequioso por contos imaginários. Circulava entre os europeus, que o Bispo Sigelmus de Sheborne (Inglaterra) em 1150 foi à Índia, à cidade de S. Tomé, donde trouxe relíquias – encontradas até em 1899 no mosteiro de Leipzig dedicado ao Santo. O Pe. Duarte Barbosa diz que S. Tomé, perseguido dos gentios fugiu para os montes ao redor da cidade Meliapor. Certo dia, um caçador, viu um grande bando de pavões, e no meio deles um, que era “muito maior e mais formoso”, pousado numa pedra. Não hesitou o caçador em alvejá-lo com uma flecha, fazendo com que todos voassem “e o que fora atingido, se tornou em pleno ar, num corpo de homem”. “O caçador esteve a olhá-lo muito admirado, até que o viu cair ao solo, então foi à cidade… dizer o milagre” (Visão do Paraiso, 135). O governador da cidade e outras pessoas saíram para onde ocorrera a cena e guiados pelo caçador, “acharam morto o bem-aventurado São Tomé”. Depois dirigiram-se ao lugar onde ele havia sido ferido e acharam, na rocha, duas pegadas ‘muy figuradas no meio dela” Quando conheceram tamanha maravilha, passaram a dizer: “verdadeiramente era santo este homem e nós não acreditávamos”. (Ibidem). Em seguida levaram-no, com a pedra à igreja de Meliapor e aí soterraram-no, colocando a pedra à cabeceira da sepultura. No dia seguinte encontraram o corpo fora do sepulcro. Enterram-no novamente, mas noutro dia estava fora. Faziam ao santo muitas homenagens e romarias. Alguém quis cortar-lhe o braço para levar como relíquia. “No momento, porém, em que lhe iam dar com a espada, o bem-aventurado São Tomé encolheu o braço para dentro da cova e nunca mais o feriram” (Idem). O corpo do santo continuou naquela igreja muito pobre, com cruzes, altar e abóboda, tendo muitos pavões por divisa. Era disputada por cristãos e mouros como sua. Era mantida por esmolas que um guarda mouro pedia. Porém os portugueses a encontraram com mato ao redor e bastante danificada.
Há muitas relíquias do Santo pela Europa, e em Meliapor, na sepultura há ossos decompostos de S. Tomé, um vaso de terra ensanguentada e um ferro de lança. Embora São Tomé tenha vivido e morrido 1700 anos antes ele era visto evangelizando e fazendo milagres e façanhas até 1800. Desta sede São Tomé saia para pregar pelos países africanos, Índia e China sempre carregando a enorme cruz petrificada, que uma junta de elefantes não a pode carregar. Segundo o testemunho do padre Osório (1867) “existe em Meliapor, onde jaz São Tomé, um tronco de árvore miraculosamente levado pelo apóstolo, mas muitas parelhas de bois ou elefantes não conseguiam arrastar. O jesuíta ainda acresce que o madeiro esteve encalhado nas areias do mar de Ceilão, o qual não puderam desalojar os muitos homens e elefantes… sendo entretanto, facilmente arrastado… pelo discípulo de Jesus sem a ajuda de qualquer outra pessoa (Idem). Outro testemunho diz que a árvore carregada era um linalois enorme (essência perfumada) originária das margens do rio Nilo, no Éden, cujas águas percorria por baixo da terra e ressurgia no Egito. Lavrado, o madeiro, as lascas eram usadas pendentes ao peito, ou ao morrer, como hóstias.
ARTIGO escrito por Leondenis Vendramim é professor de Filosofia, Ética e História
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