Todas as semanas atendo famílias com problemas de uso e abuso de álcool e outras drogas.
São pais tensos, buscando ajuda para filhos que muitas vezes não desejam ser auxiliados, mesmo estando às portas da dependência de álcool e outras drogas.
Noto que, para cada 8 ligações, uma é de família querendo internar uma filha; a grande maioria são internações para o sexo masculino (em grupo de 60 pessoas, costuma haver um ou dois homoafetivos).
Recentemente recebi uma ligação da Bahia, de uma senhora viúva que desejava internar o filho de quase 40 anos, profissional que trabalhou como engenheiro em construtora por bons anos, mas cujo uso de álcool e cocaína pôs a perder o casamento e depois o emprego. Só ficaram as despesas, e a mãe tem que bancar o filho desempregado de mais de 30 anos e honrar a pensão alimentícia de um neto.
Ela me disse, emocionada: “Arnaldo, admitir que o filho é um dependente químico é a pior coisa para uma mãe. Investimos, eu e meu marido, na escola e na faculdade do rapaz, desejava que ele tivesse um emprego e uma família. O que me restou na velhice, agora, sem meu arrimo, que era meu esposo? Uma decepção!”.
Orientada e aconselhada para a internação do engenheiro, seu filho, pelo período de seis meses, com trabalhos de desintoxicação (laborterapia e esportes), conscientização e valores espirituais, com assistência de psicólogo, terapeutas (programa dos doze passos) e psiquiatra, ela acabou se convencendo de que assim poderia desfrutar de paz e dormir à noite. Fazia semanas que, quando o filho chegava da rua, alterado e calado, ia direto para o quarto dormir, sem banho e sem alimentação, e a mãe ficava quietinha para que ele não acordasse; mas ela acordava várias vezes por noite (insegura e ansiosa) e encostava o ouvido na porta do quarto dele para sentir se estava tudo bem.
Ela disse que no íntimo sabia que não tinha feito nada errado, mas que não deixara de atender a nenhuma das vontades do filho; de certa forma, facilitando seu uso de álcool e drogas.
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Quando o engenheiro chegou para tratamento, nos disse: “Vocês convenceram minha velha a me internar. Mas foi bom ter vindo. Eu fiz minha mãe chorar, e não quero mais isso para mim e para ela”.
ARTIGO escrito por Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é especialista em dependência química pela USP/SP-GREA
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