Por Marcos Cintra
Ao anunciar o pacote de concessões em rodovias e ferrovias no último dia 15 de agosto, a presidente Dilma Rousseff requentou um debate envolvendo seu partido e o PSDB. Petistas e tucanos voltaram a bater boca sobre as privatizações. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, se preocupou em dizer que o programa “não é uma privatização” e o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, cumprimentou o governo por “aderir às privatizações”.
Primeiramente cabe dizer que o programa anunciado tem seus méritos ao levantar, mais uma vez, o grave problema da infraestrutura brasileira no setor dos transportes e ao propor um modelo de ação baseado em parcerias com o setor privado. O poder público não dispõe de recursos para atender as demandas de logística e a alternativa é criar condições para que as empresas privadas assumam os projetos. Se a transferência de estradas e ferrovias vai ocorrer sob a forma de privatização ou concessão isso não tem importância. Afinal, como dizia o líder chinês Deng Xiaoping: “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”.
Quanto ao debate relacionado à privatização, cumpre chamar a atenção para o fato do PT estar indicando que cedeu à velha dicotomia impregnada em seus discursos envolvendo estatização e privatização. O partido sempre tentou passar a imagem de que havia uma luta do bem (estatização) contra o mal (privatização). O verbo privatizar foi satanizado por muitos petistas, deixando a ideia de que o interesse público somente seria preservado através da manutenção da atuação estatal sobre a atividade produtiva do País.
Até pouco tempo atrás, ao mesmo tempo em que discursava contra a privatização, o discurso petista exaltou o crescimento econômico do País e a ascendência de 30 milhões de brasileiros para a classe média como se tudo isso fossem méritos alcançados única e exclusivamente pelas ações do governo Lula. A bondade da administração do PT teria sido suficiente para gerar mais riqueza nacional e melhorar as condições materiais para um enorme contingente de pessoas que vivia na miséria. A ideia passada foi que os governos anteriores eram perversos e que eles estavam a serviço de empresários gananciosos que queriam se apropriar das estatais.
A realidade é que o processo de privatização iniciado com o PND (Programa Nacional de Desestatização) em 1990 foi um dos pilares para o crescimento econômico no governo Lula. A atuação de ex-estatais como Usiminas, CSN, Embraer, Vale do Rio Doce e as companhias de telecomunicações foram os sustentáculos para que a economia crescesse gerando empregos e para que o governo do PT pudesse manter os programas de seguridade social dos quais o partido tanto se vangloria como obra exclusivamente sua.
As ineficientes estatais sufocavam as contas públicas, serviam como moeda de troca para obtenção de favores políticos e seus serviços se caracterizavam pela qualidade medíocre. Privatizadas, elas geram lucros e impostos, trazem divisas para o País e têm a obrigação de serem eficientes para atender consumidores e acionistas. As ex-estatais hoje dão suporte à economia do País, enquanto que segmentos sob gestão predominantemente pública como estradas, portos e aeroportos se transformaram em gargalos para a competitividade econômica.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.
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