A incerteza é uma condição intrínseca ao ser humano. Desde a falta de controle sobre os eventos naturais até as dúvidas existenciais sobre o futuro, a incerteza nos desafia diariamente. Ela surge da limitação do nosso conhecimento e da imprevisibilidade dos acontecimentos, o que gera angústia, medo e, muitas vezes, até nos paralisa.
No mundo contemporâneo, a incerteza se manifesta em diferentes níveis: nas crises climáticas, na instabilidade política, nas transformações tecnológicas, nas inseguranças econômicas e na fragilidade das relações humanas. Cada um desses fatores contribui para um cenário em que a ausência de garantias pode levar à desorientação e à falta de propósito. No entanto, a incerteza não precisa ser enfrentada apenas como um problema. Ela pode ser uma oportunidade para exercitar a confiança, fortalecer a fé e buscar discernimento. É nesse contexto que a vigilância aparece como resposta ao desafio da incerteza.
A vigilância é uma atitude consciente e ativa, de atenção aos acontecimentos e às próprias responsabilidades diante deles. Não se trata de uma espera passiva ou ansiosa, mas de uma postura de prontidão, discernimento e responsabilidade, especialmente em relação àquilo que está sob nosso controle.
Na vida cristã, a vigilância é um convite diário. Segundo o Evangelho de Marcos (13,24-32), “ninguém sabe o dia nem a hora” da vinda do Filho do Homem. Essa incerteza escatológica não deve gerar medo, mas incentivar uma vivência fiel e coerente da fé no presente.
A vigilância envolve três elementos essenciais: a consciência, a responsabilidade e a esperança. Pela consciência, permanecemos atentos aos sinais dos tempos e às nossas próprias atitudes; com responsabilidade, agimos no cumprimento de nossas obrigações; com esperança, confiamos na providência divina, mesmo que o futuro pareça incerto. Ainda assim, há o risco de terceirizar a vigilância, como fazemos ao instalar equipamentos de monitoramento em nossas casas e bens materiais.
A terceirização da vigilância ocorre quando transferimos a responsabilidade de estar atentos e preparados para outras instâncias. Essa prática, embora útil em algumas áreas, como a segurança pessoal ou digital, pode gerar problemas quando implica o abandono da autonomia e do discernimento pessoal. Na espiritualidade, isso significa substituir a vivência pessoal da fé por uma dependência de práticas externas e avulsas de expressão religiosa.
A terceirização da vigilância espiritual é particularmente perigosa, pois enfraquece nossa relação pessoal com Deus. Quando transferimos a responsabilidade da intimidade com Deus para terceiros, para rituais ou práticas externas, corremos o risco de reduzir a fé a uma formalidade ou rotina sem profundidade. É importante fazer o sinal da cruz, mas não é suficiente; é preciso comportar-se como discípulos de Cristo.
A falta de envolvimento na oração, nos sacramentos e na escuta da Palavra é um sinal dessa superficialidade espiritual. A vigilância espiritual exige uma atitude ativa e constante de conversão e compromisso. Transferir essa responsabilidade para algo, como amuletos, nos torna vulneráveis à dispersão e ao afastamento de Deus.
O Evangelho é muito claro ao chamar cada cristão a ser vigilante. Não podemos delegar nossa responsabilidade de preparar o coração para o encontro com Cristo. A vida de oração, a caridade e a vivência sacramental são meios indispensáveis para essa vigilância ativa.
A incerteza é um elemento inevitável da vida, mas não precisa ser motivo de desespero. Pelo contrário, ela nos chama à vigilância: uma atitude de atenção, prontidão e fé. No entanto, essa vigilância não pode ser terceirizada. Na vida cristã, cada um de nós é responsável por cultivar a própria relação com Deus e preparar-se para o encontro com Ele.
A vigilância espiritual é, acima de tudo, uma expressão de amor. Ao nos mantermos atentos e fiéis, respondemos ao convite de Jesus para viver uma vida plena e comprometida, confiando em sua promessa de que, no tempo certo, Ele se manifestará em glória. Assim, diante da incerteza, somos chamados não à apatia, mas à ação responsável e à esperança confiante.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba