Dois dos grandes pensadores, reunidos em um debate hipotético sobre o que entendem do mundo neste ano de 2024. De um lado Arthur Schopenhauer e do outro Machado de Assis.
Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) – filósofo alemão do século XIX. Sente-se desconfortável com a vida em sociedade, além de desconfiar e antipatizar com as outras pessoas. É solitário, individualista, crítico ferrenho da sociedade, pessimista, e manifesta uma melancolia profunda. Schopenhauer é ateu e considera o amor apenas como vontade cega e irracional que todos os seres têm de se reproduzir, dando assim continuidade à vida e, por conseguinte, ao sofrimento.
A obra de Schopenhauer recebeu influencia de Platão e de Immanuel Kant e influenciou: Compositores: Richard Wagner, Gustav Mahler; Escritores: Leo Tolstoi, Ivan Turgenev, Émile Zola, Guy de Maupassant, Marcel Proust, Thomas Hardy, Joseph Conrad, Jorge Luis Borges, Thomas Mann, Joseph Campbell, Samuel Beckett, TS Eliot, Rainer Maria Rilke, e Luigi Pirandello; Filósofos: Friedrich Nietzsche, Karl Popper, Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein; Psicólogos: Sigmund Freud, Carl Jung; e Físicos: Erwin Schrödinger, Albert Einstein.
Machado de Assis (1839-1908) – um dos mais importantes escritores da literatura brasileira, considerado o fundador da Academia Brasileira de Letras, da qual foi o primeiro presidente. Autor de romances, contos, crônicas, peças de teatro e poesias, com uma obra que transita do romantismo ao realismo, apresentando forte reflexão psicológica, social e filosófica.
Machado de Assis recebeu influência de diversos autores e correntes literárias, tanto da literatura brasileira quanto da europeia. No início da carreira, Machado foi influenciado pelo romantismo brasileiro, especialmente poetas como Gonçalves Dias e romancistas como José de Alencar; do dramaturgo inglês, William Shakespeare, recebeu influência no modo como explora a complexidade psicológica de seus personagens; da obra “A vida e as Opiniões do Cavaleiro Tristam”, de Laurence Sterne, onde se vê o uso da ironia, digressões de um narrador excêntrico, que influenciou a sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; de Xenofonte, leva para as suas obras uma visão do comportamento humano, semelhante à dos filósofos gregos; e também influenciado por Gustave Flaubert e Eça de Queirós com o seu realismo e naturalismo, em que apresenta uma análise crítica da sociedade e a exploração dos meandros da alma humana.
Machado de Assis influencia várias gerações de escritores brasileiros e internacionais, tanto pelo seu estilo inovador quanto pelas reflexões profundas sobre a natureza humana, tais como: Lima Barreto; Graciliano Ramos; Clarice Lispector; Nelson Rodrigues, Autran Dourado e Guimarães Rosa. Machado é uma referência para estudiosos do realismo psicológico e da literatura de língua portuguesa.
Feitas as devidas apresentações, (veja que o tempo verbal utilizado é intencionalmente o do presente) imaginemos agora neste cenário improvável em que dois grandes legados reunidos em um debate de ideias sobre o mundo no ano de 2024 vão confrontar os seus pensamentos. De um lado o filósofo alemão, conhecido por seu pessimismo e visão profundamente crítica sobre a natureza humana e o sofrimento, enfrentará o célebre mestre em revelar as complexidades da alma humana por meio da ironia e do ceticismo.
Schopenhauer inicia o debate argumentando que, em 2024, as tecnologias avançadas e a conectividade global apenas aumentaram o sofrimento humano. Para ele, o mundo moderno está preso à mesma vontade cega, onde o desejo incessante por progresso material e o sucesso pessoal continua a alimentar a frustração e a angústia das massas. Ele destaca que, embora as condições materiais tenham melhorado significativamente, a insatisfação espiritual permanece, o que, de certa forma, valida seu argumento de que o desejo humano é insaciável.
Schopenhauer vê que no mundo o aumento das desigualdades sociais e as crises ambientais como evidências claras de que a humanidade, mesmo com todo seu desenvolvimento, não escapou do ciclo de desejo e sofrimento que ele diagnosticou. A busca desenfreada por prazer e consumo no mundo contemporâneo passa a ser, uma prova da natureza irrefreável da vontade, que arrasta a humanidade para o abismo.
Agora, com a palavra, Machado de Assis.
Machado, por outro lado, assumiu uma postura mais sutil e cética, e abriu sua mala de ironias demonstrando conhecedor da complexidade humana no presente, para criticar o mundo de 2024. Ele questionou as certezas de Schopenhauer, ponderando sobre o papel da racionalidade e das nuances da vida social. Na forma de pensar de Machado, a vida humana é permeada por ambiguidades e contradições, o que o faria olhar para o presente com uma visão um tanto relativista. Observa que, em 2024, a humanidade continua a oscilar entre a esperança e o desencanto. As grandes promessas da modernidade — a ciência, o progresso e a razão — não garantiram uma felicidade plena, mas também não resultaram em um colapso completo. Machado, prossegue com seu olhar capaz de perceber rapidamente as coisas mais sutis para os comportamentos humanos, notando que, enquanto alguns se perdem nas ilusões das redes sociais e do consumo, outros encontram maneiras de lidar com suas próprias limitações, com doses de humor e resignação. De forma assertiva observou com uma dose composta de mistura de fascínio e desprezo o espetáculo do narcisismo contemporâneo, que, em sua opinião, apenas evidencia o quanto a vaidade continua a ser um traço dominante da natureza humana. Para ele, a vida do século XXI reflete muito das mazelas que já estavam presentes no século XIX: a vaidade, a hipocrisia e o engano dos sentidos ou dos pensamentos permanecem, apenas assumindo novas formas. Após a fala dos dois pensadores, Machado desafiou a visão extremista de Schopenhauer sobre o pessimismo, argumentando que, apesar de todo o sofrimento, o ser humano ainda consegue encontrar beleza e propósito em pequenas coisas cotidianas, onde mesmo em momentos de grande adversidade, as pessoas demonstram criatividade e resiliência.
Schopenhauer, de forma compenetrada, calou-se por instantes e olhou fixamente para Machado e respondeu com sua habitual severidade, insistindo que tais momentos de alegria são efêmeros e ilusórios, apenas pausas temporárias no sofrimento contínuo da existência. Para ele, o próprio ato de buscar consolo é uma evidência de que o sofrimento é o estado natural do ser humano.
E caminhando para os finalmente desse debate hipotético que revelou, apesar das diferenças de pensar dos debatedores que encontraram, neste ano de 2024, um reflexo de suas próprias visões de mundo. Schopenhauer vê a confirmação de sua filosofia no caos existencial da modernidade, enquanto Machado de Assis, sempre hábil em agir de maneira a angariar para si vantagens, não se deixando enganar e espertamente irônico, enxerga a repetição de velhos padrões humanos, disfarçados sob novas tecnologias e promessas.
E assim terminou o debate com a conclusão de que o mundo de 2024, para esses dois ícones do pensamento, é uma continuação de suas reflexões quanto um convite para questionar a essência da condição humana, onde o sofrimento, a vaidade e as contradições permanecem tão vivas quanto em suas épocas passadas, quando seus corpos, em estado de matéria, ainda existiam.
Recomendo a leitura dos seguintes livros: Memórias Póstumas de Brás Cubas. Dom Casmurro. Quincas Borbas. Memorial de Aires – Todos de autoria de Machado de Assis; Sobre o livre-arbítrio. Sobre como lidar consigo mesmo – Ambos de autoria de Arthur Schopenhauer.