Cada geração vive as conquistas e dificuldades próprias do seu tempo, olhando para o passado podemos ver isso com muita facilidade. No nosso tempo, vivemos a proposta de uma “sociedade do bem-estar”, que trouxe a promessa de reduzir desigualdades e elevar a dignidade humana. Essa sociedade tem como pilares o sucesso e as conquistas pessoais, o status, a produção e o consumo de bens e serviços. No entanto, essa sociedade enfrenta grandes obstáculos, principalmente em termos de sustentabilidade e distribuição dos recursos. Os benefícios esperados não chegam a todas as pessoas, criando uma contradição gritante entre o ideal e a realidade.
A sociedade do bem-estar, embora fundada sobre ideais de progresso e igualdade, paradoxalmente, criou uma cultura de fragilidades. Essas fragilidades se manifestam na forma como as pessoas lidam com os sofrimentos e as frustrações. Na busca pelo conforto e pela eliminação de todo desconforto, a sociedade moderna criou uma geração que não apenas tem medo do sofrimento, mas o vê como um escândalo, um desvio intolerável da norma esperada de felicidade contínua e bem-estar garantido. O sofrimento, neste contexto, é visto como uma “falha do sistema”, algo que deve ser corrigido ou eliminado a qualquer custo.
Esta percepção decorre, na verdade, de uma compreensão superficial da vida e de suas complexidades. Ao tentar proteger-se de qualquer forma de dor, as pessoas perdem a oportunidade de desenvolver a resiliência e a profundidade emocional.
O resultado é o aumento de uma vulnerabilidade em que pequenos dramas, uma acne, um relacionamento malsucedido ou uma entrevista de emprego são vistos como catástrofes insuperáveis. Além disso, essa aversão ao sofrimento diminui a capacidade das pessoas de se solidarizar com o outro. A empatia, que se alimenta da própria experiência do sofrimento, fica atrofiada quando evitamos enfrentar nossas dores.
Sem o contato com o sofrimento pessoal, fica mais difícil entender e compartilhar as dores alheias, criando uma sociedade mais isolada e individualista. O escândalo do sofrimento na sociedade do bem-estar também revela uma busca equivocada pela perfeição terrena, onde a felicidade é interpretada como a ausência de problemas. Esta visão ignora que muitas das maiores realizações humanas surgem justamente através da superação de desafios e dificuldades. O crescimento pessoal é, frequentemente, forjado nos momentos de luta, quando a resistência ao sofrimento é substituída pela aprendizagem e adaptação. A civilização tal como a conhecemos foi forjada assim.
Esta sociedade também entra em choque com os valores cristãos, que veem no sofrimento uma ocasião de crescimento espiritual e moral. Neste cenário, a “Pequena Via” de Santa Teresinha oferece um contraponto fundamental. Ao invés de rejeitar o sofrimento, essa perspectiva o aceita como um meio de purificação e santificação, uma oportunidade de demonstrar amor e fidelidade a Deus nas pequenas coisas. Santa Teresinha, com sua vida de pequenos sacrifícios feitos com amor, ensina que o sofrimento não é um obstáculo à felicidade, mas um caminho para uma alegria mais profunda e duradoura, que não depende das circunstâncias externas, mas de uma paz interior e de uma conexão com o divino.
Teresinha encontrou no cotidiano, nas menores ações, o palco para uma vida de santidade. Segundo ela, o sofrimento não deve ser visto como uma maldição, mas como uma oportunidade para se aproximar de Deus, praticando a paciência, a humildade e o amor. Este entendimento não apenas desafia a visão atual de evitar o sofrimento a todo custo, mas ressalta como podemos transformar as experiências dolorosas em fontes de virtude. A sabedoria de Santa Teresinha propõe que a verdadeira felicidade e o bem-estar não derivam da acumulação de bens ou da ausência de dificuldades, mas do amor com que enfrentamos cada momento da vida, inclusive os desafios e as frustrações.
Em um mundo marcado pela busca incessante do conforto e que quer evitar toda forma de desconforto, o exemplo de Santa Teresinha é radicalmente contrário. É um convite a reexaminar nossas prioridades e a buscar um bem-estar que inclua a aceitação do sofrimento como parte integrante da experiência humana. Ao fazer isso, podemos começar a construir uma sociedade que valoriza a dignidade e o bem-estar não apenas em termos materiais, mas em sua plenitude espiritual e moral.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba