O episódio de um candidato à Prefeitura de São Paulo que agrediu fisicamente, com uma cadeira, seu adversário político durante o debate eleitoral, nos últimos dias, embora tenha repercutido muito, não é um fato isolado. Ao longo da história, a política tem sido palco de disputas acirradas, marcadas por momentos de tensão e, por vezes, até violência. Não podemos nos distrair, o fato é que a cadeirada e toda sua repercussão são claros sintomas de uma doença social mais profunda: a banalização de um debate público que visa, exclusivamente, autopromoção e poder a qualquer custo, sem levar em conta, nem por um instante, o bem comum e a melhoria de vida daqueles que mais precisam.
A violência política, com diversas formas e disfarces, representa um atentado à democracia porque é fruto da substituição das discussões de interesse público por meras disputas de egos em busca de benefícios particulares, tais como fama, influência, mais e mais dinheiro. O debate eleitoral se transforma em batalha física e verborrágica porque a racionalidade e o diálogo, tão necessários para encontrar soluções e melhorar a vida da população, dão lugar à emoção e à irracionalidade de quem tem seus planos e status ameaçados. Das instituições enfraquecidas e da confiança na política abalada por esses comportamentos, resulta uma sociedade que sofre e está cada vez mais carente de bons políticos e grandes estadistas. Aparentemente, o cenário só piora a cada ciclo eleitoral, diga-se de passagem.
O episódio da cadeirada nos faz lembrar de diferentes atentados pelo mundo, com casos bem mais graves, aliás, incluindo facadas, tiros, prisões, manobras jurídicas e etc. Em tempos não muito remotos, pessoas eram fuziladas e decapitadas em nome do poder, mas sempre sob a camuflagem de falsos discursos de libertação, igualdade, amor… Esses fatos recorrentes reforçam o diagnóstico de um egocentrismo político exacerbado e nos permitem a conclusão de que são cada vez mais raros, se é que ainda existem, os políticos preocupados em fazer da política uma nobre e elevada forma de servir ao próximo e ao bem comum.
Os Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, por sua vez, nos apresentam o caminho por excelência. Pois se Ele próprio é Caminho, Verdade e Vida, também o deve ser para a política e para os políticos. No trecho das Escrituras em que São Marcos nos narra a discussão dos discípulos sobre qual deles seria o maior, Jesus os interpela, inverte a lógica humana – impregnada até mesmo em seus seguidores – e revela que “se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35). Logo em seguida, tomando uma criança nos braços, acrescenta: “Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a mim acolhe […]” (Mc 9,37). Com tais palavras o Senhor nos ensina que quem quer ser o maior, o primeiro, tem que ser o que mais serve, quem mais se preocupa com os outros, colocando os interesses do próximo acima dos seus. A criança é a figura dos mais frágeis e, assim, Deus nos lembra que devemos sempre dar atenção aos “pequenos” e mais necessitados.
Essa consciência, radicalmente oposta à lógica perversa de muitos poderosos ao longo da história e também dos vários políticos do nosso tempo, deveria ser incorporada pelos candidatos que se dizem cristãos e valorizada pelos eleitores, pois temos de colocar em prática, em todos os nossos atos cotidianos, os valores e os princípios que nos são comunicados pela fé. O chamado “católico não praticante” pode não ser só aquele que não vai à missa aos domingos, mas é, talvez até mais, aquele que frequenta a igreja, mas não enriquece o seu dia a dia com as atitudes de um verdadeiro discípulo do Ressuscitado. O seguimento de Cristo não se pauta pela lógica da conveniência ou da maioria, pela “cultura”, pelas ideologias do momento ou por pesquisas eleitorais a cada dois anos.
A política, à luz dos Evangelhos, deve ser um serviço ao bem comum, uma busca incessante por um mundo mais justo e fraterno. Isso se refere não só aos candidatos, mas a todos que estão de alguma forma envolvidos na política, inclusive, os eleitores. Assim, as perguntas que se colocam são: será que podemos responsabilizar somente os candidatos pelos episódios de violência que vivenciamos no meio político? Ou será que o cidadão que troca seu voto por um benefício particular, também pensando mais em si do que na coletividade, e o eleitorado que se deixa envenenar por uma polarização cada vez mais beligerante e excludente têm igualmente suas parcelas de responsabilidade nesse desmanche da política?
Lembremo-nos das palavras do Papa Pio XI repetidas por seus sucessores: “A política é a mais perfeita forma de caridade”. Portanto, não façamos da política nem aceitemos dos políticos nada menos que isso.
Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba