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A roupa nova do rei

A fábula da roupa nova do rei é do século XIX, publicada no ano de 1837, escrita por Hans Christian Andeson. Na fábula, um rei que gostava de roupas novas foi enganado por dois vigaristas, que diziam ter a capacidade de criar os tecidos mais belos do mundo.

Eles pediram grande quantidade de ouro para fazer um tecido muito especial e precioso. Quando terminaram o trabalho, apresentaram um tecido invisível que foi usado para fazer a roupa nova. O rei decidiu sair em desfile para mostrar sua roupa nova e foi nesse momento que uma criança disse o obvio: “o rei está nu”.

Dizer o óbvio poderia custar a vida e esse era o medo das pessoas, mas na sua inocência a criança não tinha noção desse risco e por isso falou.

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Dizer o óbvio continua sendo um risco. A roupa nova do rei se torna uma metáfora para ajudar compreender o que acontece nos dias de hoje, quando ainda não se deve dizer a verdade. Mas o que é a verdade? Segundo Santo Tomás de Aquino, a verdade é uma correspondência entre a mente e a realidade. Mas o que fazer quando a mente está impregnada pelo subjetivismo, pelo individualismo ou por ideologias de cunho político?

Diante do rei, as pessoas abriram mão da verdade, para aderir a uma opinião que fosse agradável, enquanto a criança desafiou a opinião expondo a verdade.

Neste contexto, a realidade é substituída pela aparência ou pela opção subjetiva. Jean Baudrillard, filosofo francês, é um crítico da sociedade contemporânea, oferecendo uma perspectiva sobre como as representações, a mídia e o consumo moldam a nossa compreensão da realidade. Sua obra desafia as noções tradicionais de verdade, realidade e valor, propondo a ideia de um mundo onde as simulações se tornaram mais “reais” do que a própria realidade. Em outras palavras, um mundo onde é preciso elogiar a roupa nova rei, ainda que ela não seja de verdade.

Os pensamentos de Baudrillard e o de Tomás de Aquino se chocam, enquanto olhamos para o que acontece ao nosso redor, no conflito entre a verdade e realidade.

Tomemos como exemplo a abertura das Olimpíadas, onde foi usada uma representação do quadro da última ceia, pintado por de Leonardo da Vinci.

A proposta dos organizadores foi a de destacar a moda francesa e a diversidade, usando a última ceia de Jesus com seus discípulos. Depois de muitas críticas, apareceu a versão de que seria uma referência a uma tal “A Festa dos Deuses”, de um tal Jan Van Bijlert, obra que carrega inegáveis “semelhanças” com a pintura de Leonardo.

Seja como for, a paródia ganhou um tom burlesco e muitas críticas, mas tudo amparado pela “bandeira olímpica” da liberdade artística e cultura. Ao mesmo tempo, um surfista brasileiro foi obrigado a refazer a pintura de sua prancha onde aparecia a imagem do Cristo Redentor.

As duas imagens, o Cristo Redentor e a Última Ceia, são reconhecidas mundialmente como símbolos cristãos. A organização dos jogos olímpicos proíbe manifestações de cunho político e religioso para não fomentar conflitos, mas parece que a regra se aplica apenas a um lado ou quando é conveniente.

Parece que é preciso elogiar a “roupa nova do rei”, isto é, enxergar uma realidade alternativa, ideologicamente criada e aparelhada para desfigurar os valores cristãos. Como na fábula, numa sociedade decadente surgem muitos “vigaristas” querendo criar novos tecidos, costurar roupas e fazer desfiles com promessa de inclusão.

As ideologias estão em alta e ditam a moda (e aqui não estamos falando apenas de jogos olímpicos), mas de todas as estruturas onde acontecem situações semelhantes.

Os cristãos precisam ter a coragem da criança da fábula para manter a lucides da verdade e dizer que o rei está nu. É preciso comunicar, com caridade e vigor, que a verdade tem uma coerência que não se dobra ao subjetivismo das escolhas.

A verdade é a conformidade da inteligência com a realidade e quanto mais a inteligência se deixar iluminar por Cristo, tanto mais lucida será a compreensão da realidade.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo de Piracicaba

Jornal O Semanário

Esta notícia foi publicada por um dos redatores do jornal O Semanário, não significa que foi escrita por um deles, em alguns dos casos, foi apenas editada.

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